Jornalista, assina a coluna Brasília. Na Folha, foi correspondente em Londres e editor interino do 'Painel'.
Um bilhete nas alturas
LONDRES - Uma amiga brasileira está ansiosa para subir ao topo do Shard, o prédio mais alto da União Europeia, que abre para visitas nesta quinta-feira. Não é desejo de turista. Ela morou aqui no ano passado e, como muitos londrinos, quer aproveitar os 310 metros do arranha-céu para ver a cidade do alto. Ou melhor: um pedaço bem particular da cidade.
"Eu via a construção do Shard da janela do meu quarto. E ficava pensando quando subiria lá pra ver a janela do meu quarto", explica.
A vontade de ver o próprio cantinho do alto é universal. No Rio e em São Paulo, muitos podem saciá-la com uma visita ao Corcovado ou a um edifício na região da avenida Paulista. Em Londres, essa opção não existia. Agora existe --mas seu preço será proibitivo para quem não está em férias no exterior.
Os ingressos mais baratos para o Shard vão custar 25 libras (cerca de R$ 82), comprados por antecedência e pela internet. Na bilheteria, o valor irá a 30 libras (R$ 100). Para quem quiser comprar e subir na hora, o preço será mais alto que o edifício: 100 libras (R$ 330).
Nem o mais ferrenho defensor do monstrengo consegue explicar por que a sua entrada econômica valerá mais que o dobro de um bilhete para a Torre Eiffel, que custa 12 libras (R$ 40). O Empire State, que cobra mais caro, pede 16 libras (R$ 52).
A onda de protestos em Londres é tão grande que até o arquiteto Renzo Piano, que projetou a torre para os xeques do Qatar, já reclamou. Numa entrevista constrangida ao jornal "The Observer", ele disse ter feito um protesto "enérgico" contra o valor dos ingressos, sem sucesso.
"Eles explicaram que esse tipo de coisa custa este tipo de preço mesmo. Infelizmente, Londres é uma cidade muito cara", murmurou o italiano.
Conhecido pelas bandeiras socialistas, o ex-prefeito Ken Livingstone afirmou que a vista do Shard será um patrimônio da cidade, não só dos turistas endinheirados. Ele propôs que o município reserve parte do orçamento para para subsidiar os bilhetes para os moradores locais.
A ideia não despertou muito entusiasmo --afinal, a crise está aí e o Reino Unido voltou a flertar com a recessão. Mas muita gente também estranhou quando o governo trabalhista aboliu a cobrança nos museus públicos do Reino Unido, em 2001. Hoje, a entrada gratuita é vista como um direito de todos, assim como a educação e o atendimento médico de qualidade.
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A Folha visitou o Shard no início do mês, numa prévia para a imprensa internacional. A reportagem saiu no último dia 12 e pode ser lida aqui
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