É membro da ABL. Começou sua carreira no jornalismo em 1952 no 'Jornal do Brasil'. É autor de 17 romances e diversas adaptações de clássicos.
O aliado inimigo
Forçado pelas circunstâncias, fui obrigado a me render ao computador e seus derivados. Por Júpiter! Foi minha salvação. Acompanhei de dentro de casa o drama de toda uma geração de jornalistas encostada pela máquina de escrever, aí pelos anos 1940. Meu pai fazia parte dessa geração que esbarrou na dificuldade de absorver a tecnologia da época.
Os gráficos haviam obtido uma lei que os desobrigava de compor originais manuscritos (somente os donos do jornal, como Assis Chateaubriand, podiam mandar para a oficina seus borrões). Os demais tinham de mandar suas matérias datilografadas. Poucos veteranos sobreviveram, um deles foi o Magalhães Junior, que com apenas dois dedos e um só olho enchia laudas e laudas com a competência que o consagrou como um dos mais brilhantes jornalistas e tradutores do país. (Em tempo: ele não enchia laudas, enchia "tiras").
Com o advento do computador, apresentou-se o mesmo desafio para uma geração que chegava aos 50, 60 anos. Honestamente, pensei que chegara minha hora e vez de pendurar as chuteiras. Mandaram para minha sala um PC 286, uma impressora matricial, e que eu me virasse. Virei-me, pelo menos até aqui. E mais: tomei gosto. Já andava cheio de emendar meus originais, de escrever em espaços bem largos para poder colocar os acréscimos que só me chegavam após o texto pronto. A mão de obra era abominável.
Com o computador, tudo isso ficou para trás. Tomei tanto gosto que, sem escrever ficção há 23 anos, engatei quatro romances. Voltei também a escrever na imprensa diariamente. Quando pensava em vestir o pijama e calçar o chinelo da antecâmara do fim, de repente, me vi mais comprometido do que antes com o trabalho.
Nem assim, devendo tanto e tudo ao computador, sou um entusiasta dele. O domínio que consegui é precário, limita-se ao texto, a gravá-lo ou a imprimi-lo. Fora isso, continuo analfabeto em informática. Na Copa do Mundo fui obrigado a acessar a internet, deram-me algumas instruções, consegui o básico e dele não saí, nem pretendo sair.
Daí meu espanto ao receber, como brinde, um manual ilustrado que me ensinaria tudo sobre o computador e a internet. Novamente: por Júpiter! Tirando as cinco primeiras páginas e as dez primeiras gravuras, que mostravam um computador, um teclado, um mouse, um CD e uma impressora, penetrei num universo indecifrável, pior que misterioso.
Não devia reclamar tanto da informática, mas reclamo assim mesmo. É bem verdade que o universo virtual me livrou da escravidão da máquina de escrever. Passei 23 anos de minha vida sem escrever aquilo que mais gosto: ficção. Poder inventar um universo, um santo ou um canalha, sem qualquer compromisso com a realidade. Como jornalista, era obrigado a entregar meus textos batidos à máquina, o que me obrigava a um mínimo de coerência com os fatos reais.
Certa vez, fiz uma crônica comentando uma notícia que inventei: o presidente Kennedy não havia morrido no atentado de Dallas, estava vivo, morando num rancho do Texas, com Marilyn Monroe, que também não havia morrido. Estava até esperando um filho do ex-presidente.
Evidente: a crônica não foi publicada, não a entreguei na Redação, fiquei com ela e é possível que um dia ainda a publique, não em jornal ou revista, mas em um livro com textos irreais, que no meu entender são mais interessantes do que a maioria das matérias que leio por aí.
Mas todas as vezes que abro o computador, tenho vontade de entrar nas minhas alucinações pessoais, criando um mundo realmente meu. Dando uma solene banana para o resto.
Voltando ao manual recebido. Fiquei sabendo que existe uma palavra, para mim impronunciável: Wysiwyg. Em inglês: What You See Is What You Get. Tradução: o que você vê é o que está valendo. Numa palavra, o velho bordão dos nossos bicheiros: "vale o escrito".
Tempos atrás, em São Paulo, fui convidado para manter uma conversa por chat com os usuários de um site. Recebi mais de 300 perguntas quase simultâneas. A mais interessante foi curta e grossa: "É verdade que você é você mesmo?".
Não soube dar resposta porque ainda não recebera o manual que citei acima. Se o tivesse recebido, faria bonito respondendo: "Wysiwyg".
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