Ph.D em Business, doutorado em administração, mestrado e bacharelado em economia. É professor na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV.
Por que você não deve aceitar uma degustação de TV a cabo
Você acaba de contratar a TV a cabo e, assim que o técnico faz a instalação, recebe a notícia de que ganhou os canais premium por 30 dias como cortesia para degustação. Você sabe o que está por trás dessa bondade?
Parece que é só ganho: você tem um mês para assistir o canal que só tem filmes ótimos e se acostuma com a rotina de jantar e assistir a um filme. Quando acaba o período de teste, você não quer perder o hábito que já se instalou –e acaba contratando um pacote mais caro.
Muitas mulheres conhecem bem essa situação: você está em uma liquidação na sua loja preferida e descobre que aquele sapato que você tanto desejava está com 70% de desconto. Você pergunta para a vendedora se tem um par na sua numeração e ela responde: "acho que sim, ele estava te esperando!".
Você já até faz as combinações mentais com todo o seu armário, mas quando a vendedora desce do estoque, ela diz que sente muito, mas que o sapato acabou.
O sofrimento aqui é conhecido como "efeito dotação": ao visualizar o sapato como seu, a mulher de fato sente como se tivesse a posse daquele par. Quando temos algo, nós tendemos a supervalorizar esse bem. A dor de perder aquele sapato, que quase foi seu com 70% de desconto, mas não foi, é maior do que simplesmente descobrir que algo que você queria não estava disponível: é como perder o seu sapato favorito.
O efeito dotação é o que está por trás de quando uma família quer vender o apartamento, mas descobre que ninguém valoriza tanto quanto você a reforma que fez com tanto carinho - e que, na sua visão, melhorou muito a planta original do imóvel. O que é nosso tende a ser percebido como mais valioso do que o restante, principalmente se tivemos um esforço grande para conquistar aquilo (a reforma toda ou o garimpo para encontrar o sapato com um descontão).
A economia comportamental explica que nós nos apaixonamos por aquilo que temos (e por isso é tão difícil abrir mão de todos aqueles blocos de notas e outros brindes que ganhamos em eventos). Além disso, quando pensamos em nos desfazer de algum bem, tendemos a focar mais no que vamos perder do que no que podemos ganhar (espaço, dinheiro com a venda do bem, etc). É isso que os economistas chamam de "medo da perda".
Nós somos avessos ao risco por natureza. O medo da perda é mais um aspecto deste conceito. E ele é tão forte que se aplica mesmo ao que não temos, mas conseguimos imaginar ter (como o sapato na liquidação).
É como o colecionador de arte que vai a um leilão: ele pode até estabelecer um valor máximo que pode ofertar por determinada obra, mas se ele se apaixonar e começar a escolher onde pode pendurar o quadro, ele pode resistir à ideia de "perdê-lo" e acaba fazendo lances mais altos que pretendia inicialmente.
Por isso, na próxima vez que for comprar um móvel para a sua casa, tome muito cuidado com o vendedor que oferecer levar uma mesa de centro para você testar em casa. O risco de você se acostumar com a ideia de ter aquele móvel e a aversão à ideia de perdê-lo podem fazer você comprar uma mesa que não queria.
Post em parceria com Carolina Ruhman Sandler, jornalista, fundadora do site Finanças Femininas (http://www.financasfemininas.com.br) e co-autora do livro "Finanças Femininas: Como organizar suas contas, aprender a investir e realizar seus sonhos" (Benvirá) com Samy Dana.
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