É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
França mistura água e vinho
O novo gabinete do presidente francês François Hollande é uma mistura tão estranha que o jornal "Le Monde" chegou a dizer-se espantado com uma das escolhas, a de Arnaud Montebourg para o Ministério da Economia.
Breve recapitulação para entender o cenário: no domingo, o Partido Socialista de Hollande levou histórica surra nas eleições municipais. A reação do presidente foi a óbvia: usou o primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault como fusível. Trocou-o pelo ministro do Interior, Manuel Valls, o mais popular membro de seu impopular governo.
Valls é um liberal assumido, que chegou a defender a mudança do nome do partido, para retirar o "Socialista", que, segundo ele, atrapalhava as reformas liberais que ele achava necessárias.
No Ministério do Interior, justificou sua fama ao investir contra os imigrantes, usando uma retórica parecida com a da extrema-direita. Chegou a dar a impressão de que os ciganos, que não passam de 300 mil em uma população total de 64 milhões, eram os responsáveis pelos problemas do país, em especial desemprego e segurança pública.
O espanto pela escolha de Arnaud Montebourg é fácil de explicar: ele é o oposto de Valls no PS. Está à esquerda do novo primeiro-ministro e da maioria de seus colegas e é um duro crítico da globalização, que os franceses preferem chamar de mundialização.
É razoável supor que Montebourg é mais popular no partido do que o seu novo chefe: teve 17,2% dos votos na primária socialista para escolher o candidato presidencial para as eleições de 2012, enquanto Valls não passava de 5,6%.
Talvez seja essa votação a razão pela qual Valls escolheu o antigo adversário: precisa dar coesão a um partido em que as disputas internas parecem intermináveis. Tanto que Hollande ganhou as primárias com apenas 39% dos votos, evidência da fragmentação partidária.
Colocar num mesmo governo um liberal de carteirinha como Valls e um esquerdista idem como Montebourg é uma manobra arriscada, ainda mais que este será acompanhado na economia por outro esquerdista, Michel Sapin, que cuidará de Finanças e Contas Públicas.
Sapin era ministro do Trabalho e fracassou na tarefa prioritária definida por Hollande, a de reverter a curva do desemprego.
Não conseguiu. Dois anos após a posse, o desemprego ainda está em 11% e parece ter sido o principal fator para o fracasso dos socialistas nas urnas de domingo.
Será de todo modo curioso ver como Montebourg fará para tocar, com a mão esquerda, a virada à direita anunciada faz pouco por Hollande, caracterizada por um "pacto de responsabilidade", pelo qual dá isenções fiscais ao empresariado e faz um corte do gasto público de € 50 bilhões (R$ 156 bilhões). Tudo em troca do aumento do emprego.
Mais interessante ainda será acompanhar a retórica do novo ministro da Economia. Montebourg contraria a ortodoxia e tem um discurso ousado, que certo ou errado, pelo menos é ar fresco, por ser diferente da hegemônica louvação ao liberalismo.
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