É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
Sayed se vai, adeus à paz
Sayed Kashua está deixando Israel para sempre, com a mulher e os três filhos.
Sua partida acaba sendo um terrível sinal de que se vai tornando impossível a convivência entre israelenses e palestinos.
Kashua é palestino, mas é também cidadão de Israel, um dos 20% de árabes com cidadania israelense. É um intelectual de prestígio, com três livros publicados (em hebraico) e uma coluna semanal no jornal "Haaretz", de centro-esquerda, talvez o melhor de Israel.
O que torna a partida de Kashua tão emblemática é que ele é o criador de uma série de televisão ("Trabalho Árabe") que chegou a ser popular na TV israelense.
Trata-se da história de um jornalista, Amjad, e de sua família.
Cansado de viver na sua vila natal na Palestina ocupada, Amjad muda-se para um bairro judeu de Jerusalém, ansioso por desfrutar da água que sai do chuveiro com a pressão adequada, parques e jardins bem cuidados e o que ele acha que é a liberdade de viver seu sonho de integração na sociedade israelense, conforme o relato de Michelle Campos para o site Merip (Projeto de Pesquisa e Informação sobre o Oriente Médio, baseado em Washington).
O caráter de Amjad baseia-se no de Kashua, ambos de "inquebrantável fé na humanidade".
Na terceira temporada da série, a vida de Amjad/Kashua se complica, como decorrência de uma das operações que Israel levou a cabo em Gaza (2009), durante a qual foram mortos cerca de 1.500 palestinos, boa parte deles civis (mais ou menos como aconteceu na recente ofensiva israelense, a operação "Margem Protetora").
O programa retrata a tensão que emerge no abrigo antifoguetes do prédio em que Amjad vive, porque ele e a família são responsabilizados pelos ataques do Hamas que forçaram os residentes a procurar o abrigo.
Na temporada seguinte, o drama se acentua, na mesma medida em que a sociedade israelense se vai radicalizando mais e mais: um estranho ameaça o personagem se ele não se mudar do bairro.
Mas, consistente com a fé do autor na humanidade, a última temporada tem um final feliz: seus vizinhos se unem para proteger a família palestina que vive no meio deles.
Pena que esse final feliz tenha ficado restrito à TV: no mês passado, Kashua anunciou ao jornal britânico "The Guardian" que estava se mudando definitivamente de Israel e listou alguns dos motivos.
Entre eles, o sequestro e o assassinato de um adolescente palestino por fanáticos judeus; o banho de sangue em Gaza; a consequente violência verbal e física em Israel contra cidadãos árabes.
No relato do Merip, o sonho de convivência entre palestinos e judeus estava morto. É terrível quando desistem de sonhar os que acreditam nessa possibilidade.
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