É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
Esquerda ganha, mas fica devendo
A esquerda ganhou seis das oito eleições realizadas nos últimos 12 meses na América Latina. Ou, sendo mais preciso, ganhou o que hoje se chama de esquerda. Para a minha geração, esquerda mesmo é aquela corrente que defende a estatização dos meios de produção.
Nem o chavismo, a mais radical das esquerdas no subcontinente, defende a plena estatização. E até Cuba, esquerda-esquerda, está privatizando cada vez mais setores econômicos. Feita essa ressalva, a esquerda ganhou em El Salvador, no Chile, na Bolívia, agora no Brasil e, em novembro, ganhará no Uruguai.
Parece improvável que a oposição uruguaia reverta, no segundo turno, a vantagem que a Frente Ampla obteve no primeiro (47% contra 46% dos três principais candidatos oposicionistas).
Mesmo na Colômbia, ganhou o presidente Juan Manuel Santos, mais à esquerda que seu rival.
A melhor explicação para os resultados da esquerda está em artigo de Juan Arias, correspondente de "El País" da Espanha no Brasil, sobre a eleição brasileira: "Hoje, na verdade, ninguém mais se resigna a ser pobre no Brasil".
Vale para o Brasil, vale para a América Latina.
Os governos de esquerda que proliferaram neste século promoveram uma mudança importante nos grupos sociais: no ano 2000, havia no subcontinente 190 milhões de pobres, ou 41,7% da população.
Em 2012, os pobres haviam diminuído para 133,7 milhões, ou 25,3% do total. É evidente que esse contingente vota preferencialmente nos partidos/candidatos que promoveram a mudança.
Aí entra a frase de Juan Arias: a grande mudança, na verdade, é que os pobres sentem-se parte do jogo. Antes, prevalecia o conformismo. Qualquer desgraça era encarada como determinação divina ("Deus qué, né?" era frase recorrente).
Agora, não mais. E aí está o problema para as esquerdas latino-americanas em geral e para o PT em particular. A maior fatia da população cai, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, na categoria "vulneráveis".
Deixaram o inferno da pobreza, mas não chegaram ao paraíso da classe média. E não querem nem retroceder nem permanecer muito tempo no purgatório.
Na América Latina, os "vulneráveis" são 34,4% –mais, portanto, que os 25,3% de pobres.
Não dá mais para dividir a sociedade só entre ricos e pobres. Se os 50 milhões de eleitores de Aécio são ricos, como quis fazer crer a propaganda dos hidrófobos do petismo, então o Brasil não seria o Brasil.
A maioria relativa é "vulnerável" e intui que, para deixar de sê-lo, não bastam os programas de transferência de renda que melhoraram a vida de tanta gente.
São necessários, como a rua entoou difusamente no ano passado, serviços públicos de qualidade (educação, saúde, segurança pública, mobilidade urbana, empregos de qualidade etc).
Enfim, um Estado que funcione, o que está longe de ser o caso hoje.
É preciso, pois, que Dilma torne realidade seu slogan ("Governo novos, ideias novas"), sob pena de seu governo envelhecer precocemente.
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