É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
Nós que amamos tanto os EUA
Já me parecia demasiado importar dos Estados Unidos a tal de "black friday", a sexta-feira de consumismo desenfreado estimulado por descontos que, muitas vezes, são mais propaganda do que realidade.
Nos EUA, ainda é possível encontrar uma lógica na data. Trata-se do Dia de Ação de Graças (que caiu dia 28), o que cria um feriadão de quatro dias, nas imediações do Natal.
No Brasil, a menos que eu esteja completamente desatualizado, o que é sempre possível na minha idade, não se comemora tal dia.
No entanto, os brasileiros atiraram-se às compras como se fossem norte-americanos. Ouvi no rádio que uma senhora comprou três ferros de passar roupa, não porque precisasse deles, mas porque estavam baratos (R$ 10 cada).
Pois essa demasia está se estendendo por mais um dia, americanizado como tantas outras coisas no país tropical: viveu-se ontem uma tal de "cyber monday", uma segunda-feira de compras pela internet com descontos (supostos ou reais).
Desconhecia a existência dessa nova data no calendário sagrado do consumo. Descobri-a ao ler, no "New York Times", que os norte-americanos gastaram "apenas" US$ 50,9 bilhões (R$ 130,4 bilhões) nos feriados, 11% menos que no ano anterior.
O jornal especula que, talvez, o pessoal tenha reservado seus fundos para gastá-los na "cyber monday".
Achava que era uma invenção ainda contida nos limites dos EUA, mas abro minha caixa de correspondência e eis que uma das grandes lojas de departamento me convida para a "cyber monday", "a maior liquidação da internet", com descontos de até 92%.
A propaganda ainda me ameaça: "Termina hoje [ontem, segunda-feira], não vá se arrepender depois".
Não sei os números no Brasil, mas devem ter sido proporcionais aos dos EUA, em relação ao tamanho das respectivas populações e ao poder de compra: 133,7 milhões de consumidores, reais ou potenciais, na "black friday".
Dá cerca de 42% da população total norte-americana, uma formidável demonstração do poder do apelo ao consumismo.
No Brasil, 42% de 200 milhões habitantes seriam, portanto, 84 milhões de consumidores.
Não me surpreende essa imitação do "american way of life": uma pesquisa do respeitado Pew Research Center mostra que a opinião favorável aos Estados Unidos é muito forte no Brasil.
São 65% os brasileiros com esse tipo de avaliação. Sobre o próprio Brasil, mesmo patriotas ou patrioteiros como são, a porcentagem dos brasileiros que gostam do país é apenas um pouco maior (77%).
Apesar de toda a onda em torno da ascensão da China, a maioria dos brasileiros (54%) continua achando que os Estados Unidos são a economia líder no mundo.
Aliás, só 34% dizem que a influência chinesa é boa para o Brasil.
Tudo isso sugere que a maioria do público acha que a política externa brasileira deveria orientar-se mais para os EUA. Afinal, a opinião favorável a dois dos polos anti-EUA (Rússia e Irã) é majoritariamente negativa (só 9% dos brasileiros é favorável ao Irã e um pouco mais, 24%, à Rússia).
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