É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
O papa conseguirá o milagre?
Ao saber do iminente reconhecimento do Estado palestino pelo Vaticano, a primeira tentação é revisitar Josef Stálin.
"O papa? Mas quantas divisões militares tem o papa?", teria perguntado o então ditador soviético ao ser aconselhado a tolerar o catolicismo no seu reino.
O papa de fato não tem divisões militares. Mas os sucessores de Stálin experimentaram na carne, com grande desgosto, o peso das, digamos, "divisões morais" do Vaticano, que tiveram influência no desmoronamento do comunismo no Leste Europeu.
Há até quem diga que João Paulo 2º foi decisivo para o fim do comunismo pelo menos na Polônia, sua terra.
A decisão do Vaticano sobre o Estado palestino não é capaz, por si só, de impô-lo a Israel. Mas faz claramente parte de um movimento crescente de reconhecimento dos direitos palestinos.
Hoje, 135 países já reconheceram o Estado Palestino, entre eles o Brasil. Dá, portanto, 70% dos 193 Estados-membros das Nações Unidas.
Mas o Vaticano não é apenas mais um Estado, ao menos do ponto de vista dos palestinos.
"O Vaticano é a capital espiritual dos católicos, e essa é a importância principal do seu reconhecimento da Palestina", disse a "The New York Times" Hanna Amireh, do comitê-executivo da OLP (Organização para a Libertação da Palestina, o rótulo que o Vaticano até agora dava à Palestina).
Em Israel, essa relevância é contestada.
"Com todo o respeito pelo Vaticano e sua influência internacional, temo que esse anúncio terá importância apenas simbólica, como os de outros atores políticos no passado imediato", diz à Folha Itamar Radai, diretor acadêmico do Programa da Fundação Konrad Adenauer para a Cooperação Judaico-Árabe da Universidade de Tel Aviv.
Radai tem razão ao acrescentar que "a implementação da solução de dois Estados [implícita na decisão do Vaticano] e o estabelecimento de um Estado palestino independente parecem distantes como nunca desde 1993 [data dos acordos de Oslo, os que chegaram mais perto da paz], apesar dos esforços diplomáticos da Autoridade Palestina e do respaldo político que ganhe ao redor do mundo".
Já o governo israelense reagiu ao anúncio na defensiva, como de costume, e, nesse caso específico, com uma distorção da realidade.
Um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores disse que o gesto do Vaticano não contribui para trazer os palestinos à mesa das negociações.
Falso. O que não contribui é, acima de tudo, a composição do novo governo israelense, assim descrito por Mark Levine, professor de História do Oriente Médio na Universidade da Califórnia:
"Com o governo de coalizão formado pelo primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, facilmente o mais ultranacionalista e conservador na história de Israel, mesmo o mais vesgo otimista desistiria de imaginar que Oslo ainda pode ressuscitar".
Tudo somado, tem-se que, mais que o peso moral do papado, só um milagre permitirá que os 12,6 milhões de palestinos, espalhados pelo mundo (dados do Censo que acaba de sair), tenham em breve o seu Estado.
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