É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
Contra balas, ideias
Esse Barack Obama é um tremendo craque com as palavras, embora muitas vezes sua ação não tenha parentesco íntimo com o que ele diz.
Agora, acaba de produzir a perfeita definição para o que fazer em relação ao extremismo islâmico.
Disse o presidente: "Ideologias não são derrotadas por armas. Elas são derrotadas por ideias melhores, [por] uma visão mais atraente e convincente".
Na teoria, é perfeito. Na prática, até funcionou na Guerra Fria: o capitalismo revelou-se para uma clara maioria uma ideia mais atraente e convincente do que o comunismo -e não foi preciso disparar um único tiro para derrotá-lo.
Mas funcionou porque havia uma racionalidade por trás de cada ideia. Agora, na guerra contra o Estado Islâmico (e outros extremistas), o combustível que move os radicais é o fanatismo.
Não se trata de um combate entre ideias advindas de seres humanos, mas da interpretação, ao bel- prazer de fanáticos, da palavra de Deus. Deus, seja qual for, não pode ser derrotado, por definição.
É melhor, então, recorrer mesmo às armas? Tampouco tem funcionado, e não acredito que funcione nem se houver uma união entre EUA, Rússia, Irã, os países ocidentais, a Arábia Saudita, a Turquia e por aí vai, como parece ser a proposta do presidente russo Vladimir Putin.
Essa improvável união pode até derrotar o EI nos territórios que ocupa na Síria e no Iraque, mas, se o passado serve de lição, tendem a acontecer duas coisas:
1 - Depois que as tropas da coalizão se retirarem, voltam os fanáticos. Demonstra-o o Afeganistão. O Taleban foi derrotado, mas, no mesmo dia em que Putin propunha a sua coligação (a segunda-feira, 28), os fanáticos ocuparam Kunduz, estratégico entroncamento no norte do país e a primeira capital provincial a voltar às mãos do grupo.
2 - Os fanáticos que sobreviverem ao ataque da coalizão desejada por Putin deslocarão o seu combate para os países que os derrotaram.
Sabe-se, pelos atentados já registrados nos EUA, na Espanha, em Londres e em outras partes, como é relativamente fácil praticar atentados quando se está disposto a matar e morrer no mesmo ato.
Não tem saída, então? Talvez tenha, mas é de longo prazo e consta do mesmo discurso de Obama em que ele antepôs ideias a balas.
Trata-se de construir, em cada país, parcerias com as comunidades muçulmanas para que elas possam proteger os seus membros da radicalização.
"Não vai se resolver da noite para o dia", admite Obama, mas é um combate mais nobre do que bombardear o EI com armas em vez de ideias -e, para o presidente, o único que pode de fato produzir vitória.
De todo modo, suspeito que ideias, por melhores que sejam, não bastem. Será preciso reconstruir Estados hoje falidos (Síria, Iraque e Líbia, por exemplo).
O caso da Líbia, de resto, é o exemplo de que não basta derrotar militarmente um ditador como se fez com Gaddafi. É preciso permanecer, depois, no país, para reorganizá-lo. Essa é a ideia potencialmente vencedora, mas provavelmente utópica.
Livraria da Folha
- Coleção "Cinema Policial" reúne quatro filmes de grandes diretores
- Sociólogo discute transformações do século 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade