É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
O "dragão feliz" se exibe
Histórico é um rótulo do qual os jornalistas abusamos. Mas é perfeitamente aplicável ao encontro deste sábado (7) entre o presidente da China, Xi Jinping, e seu colega da, digamos, outra China, mais conhecida como Taiwan, Ma Ying-jeou.
O simples fato de que desde 1949 não havia encontro nesse nível já diz bastante sobre a importância da reunião.
Mas há mais que história e simbolismo no evento: de parte da China, trata-se de demonstrar aos vizinhos (e aos Estados Unidos) que se trata de "um dragão feliz", como o define para a Folha Timothy Cheek (Instituto de Pesquisa Asiática da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá), com a experiência de quem trabalhou nos dois países.
Explica Cheek: "[O presidente chinês] Xi Jinping quer mostrar que ele é razoável para os países do Sudeste Asiático, em um momento de má imprensa para a República Popular da China por causa de sua agressividade no mar do Sul da China [em que há reivindicações de soberania de vários países]".
Seria, completa o especialista, "um esforço da China para sinalizar o desejo de encarar um problema-chave de relações internacionais por meio da diplomacia".
As relações China/Taiwan são um foco de tensão permanente naquela região. Há apenas 20 anos, o que é pouco em termos históricos, os chineses dispararam foguetes contra Taiwan, obrigando os Estados Unidos a despachar belonaves para evitar maiores problemas.
Vinte anos depois desses incidentes, a China é outra, uma potência mundial em ascensão, em condições de superar os Estados Unidos no tamanho da economia (mas não em renda per capita, que importa mais).
Por isso, faz todo o sentido que se comporte da maneira razoável apontada por Timothy Cheek (pelo menos internacionalmente, já que, internamente, a China continua sendo uma ditadura).
A reunião com o presidente de Taiwan é um sinal claro de que não está no horizonte a recuperação do que Pequim sempre chamou de "província renegada".
A importância do encontro transcende, portanto, o estreito que separa a China continental da ilha rebelde.
Envolve, além da geopolítica regional, também a global, já que os Estados Unidos estão obrigados a fornecer armas defensivas a Taiwan, em caso de ameaça.
Mas há um aspecto interno às duas Chinas também envolvido na reunião deste sábado.
Taiwan é governada pelo KMT (Kuomintang, ou Partido Nacionalista Chinês), que adotou uma política de contemporização com a China.
Mas há eleições em janeiro, e todas as pesquisas apontam para uma vitória do DPP (Partido Democrático Progressista), favorável à formalização da independência da ilha, hoje com relações diplomáticas apenas com o Vaticano e 21 pequenos países da África, do Pacífico e da América Central.
"A China e o KMT estão tentando estabelecer uma barreira para que o esperado novo governo do DPP não tente fazer retroceder o relacionamento", diz Stanley Rosen (Universidade da Califórnia do Sul).
Seria um acordo pragmático até que se possa resolver de vez a situação, pela unificação ou pela separação definitiva.
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