É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
Os santos também amam
Tenho uma pergunta ao papa Francisco, a partir de sua declaração (sobre o vírus da zika) de que "evitar a gravidez não é um mal absoluto".
Como é óbvio –e todos os jornais do mundo apontaram–, abre o caminho para o uso da camisinha, nesse caso excepcional, o que, até aqui, era proibido pela igreja.
Minha pergunta: fugir do celibato imposto aos religiosos é um "mal absoluto" e, como tal, deve continuar sendo um anátema para a igreja?
Óbvio que minha pergunta tem relação com as cartas que revelam uma intensa amizade entre João Paulo 2° e a filósofa polonesa (casada) Anna-Teresa Tymieniecka.
Francisco também se referiu ao fato, na entrevista que concedeu a bordo do avião que o levava de volta a Roma, após visita ao México.
"L'Osservatore Romano" - 17.fev.2016/Efe |
O papa Francisco antes de missa no México |
O papa tratou do assunto com naturalidade, a de amizade entre um homem e uma mulher, relação que defendeu com sábias palavras;
"Um homem que não sabe ter uma boa relação de amizade com uma mulher –e nem falo dos misóginos, que são enfermos– é um homem a quem falta alguma coisa".
O problema, aí, é que a maioria dos mortais comuns levaram a relação de João Paulo 2°, elevado a santo em tempo recorde pelo Vaticano, para o território do sexo, como seria inevitável nestes tempos tão prenhes de sexualidade.
Admite, por exemplo, Moira McQueen, professora de religião na Universidade de Toronto: "É claro que cada encontro entre um homem e uma mulher traz um elemento de sexualidade, uma vez que somos seres sexuais".
É importante deixar claro que McQueen trata o episódio da mesma forma que o papa Francisco: "Uma amizade entre os dois, baseada em visões de mundo e filosofia compatíveis".
Aí vem a questão seguinte: é possível uma amizade tão profunda entre um homem e uma mulher sem que o sexo entre na equação?
Eu acho que sim, mas estou a anos luz de ser um especialista como Contardo Calligaris para ter uma opinião definitiva (se é que possível ter opiniões definitivas a respeito de qualquer coisa que se refira a sentimentos).
Mas manter a relação nos limites platônicos deveria ser uma decisão privativa dos envolvidos, não uma imposição da igreja.
Afinal, o próprio papa Francisco disse que gosta sempre de ouvir o parecer de uma mulher. Acrescentou: "Te dá muitas riquezas, vês as coisas de outro modo".
É claro que o papa acrescentou que "uma relação amorosa com uma mulher que não seja a sua é pecado".
Se ouvir uma mulher é tão importante –e eu concordo com Francisco–, por que impedir os religiosos de manter relações íntimas?
A professora McQueen reconhece que a discussão sobre o celibato é permanente e acrescenta: "A vida religiosa é diferente do Estado laico, e parte dessa diferença tem girado principalmente em torno da vocação para o celibato, que muitos abraçam, embora alguns digam que o celibato obrigatório é teologicamente problemático".
Se é assim, cabe minha pergunta inicial ao papa, tão capaz de surpreender.
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