É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
Incubando o ovo da serpente
Há mais de 200 anos, o pensador britânico Samuel Johnson (1709-1784) já dizia que "o patriotismo é o último refúgio dos canalhas".
É triste verificar que esse refúgio não só está ficando mais povoado do que nunca como foi o responsável ideológico pelo assassinato de Jo Cox, a jovem (41 anos) política britânica que se destacava pelo trabalho humanitário.
Explico melhor: o assassino, antes de praticar o crime, gritou mais de uma vez "Britain first" ("Grã-Bretanha primeiro"), em evidente alusão ao fato de que Jo Cox fazia campanha no sentido oposto, ou seja, a favor da permanência do Reino Unido na União Europeia.
"Britain first" é o slogan de um grupo de extrema-direita, de inspiração nazista. Embora ele próprio seja marginal, essa ideia "patrioteira" de "Britain first" é, no fundo, a pregação dos partidários do Brexit (Britain+Exit ou saída do Reino Unido da Europa), até agora ligeiramente majoritários, de acordo com as mais recentes pesquisas para o plebiscito do dia 23.
Aí chegamos ao atentado contra Jo Cox, conforme se lê no "Guardian", em texto de Jonathan Freedland:
"Nós não sabemos ainda o que estava na cabeça do homem que matou Jo Cox. As informações mais recentes sugerem que o suspeito no caso tem vínculos com um grupo neonazista dos Estados Unidos. Mas, mesmo que não possamos estabelecer uma causa específica no debate político nacional e proclamar essa morte como seu efeito direto podemos dizer isto: se você injeta veneno suficiente na corrente sanguínea política, eventualmente alguém acaba ficando doente".
Reforça, no outro lado do espectro político, coluna na revista conservadora "The Spectator": "Quando você apresenta a política como uma questão de vida ou morte, como uma questão de sobrevivência nacional, não se surpreenda se alguém levar à prática a sua palavra. Você não os leva a fazê-lo, mas você não faz muito para evitá-lo".
Nunca é demais lembrar que os defensores originais do Brexit foram os líderes do Ukip (Partido pela Independência do Reino Unido), de extrema-direita, xenófobos e sempre prontos a gritar "Britain first".
Ou seja, injetam há tempos o veneno que acabou impregnando a mente do assassino de Jo Cox.
Se fosse só no Reino Unido, já seria terrível, pelo imenso acervo cultural e civilizatório do país. Mas é preciso levar na devida conta que o discurso sobre política externa de Donald Trump, virtual candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos, tinha como mote exatamente "America first".
Some-se a esse slogan de forte eco nazistóide a pregação de Trump contra os imigrantes, em especial os mexicanos e os muçulmanos, e se está incubando o ovo da serpente.
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