Nascido na Itália, veio ainda criança para o Brasil, onde fez sua carreira jornalística. Recebeu o prêmio de melhor ensaio da ABL em 2003 por 'As Ilusões Armadas'. Escreve às quartas-feiras e domingos.
De Figueiredo@edu para Dilma@gov
Excelência,
Nossa convivência foi nula. Eu estava no palácio, e a senhora estava na cadeia. Mesmo assim, sei mais de sua vida hoje do que sabia quando chefiava o SNI. Há uns meses o Geisel, que mal fala comigo, me contou que a senhora se tornou navegadora do avião presidencial para desviá-lo de turbulências.
Ele estava horrorizado, porque a mulher dele, Lucy, tinha horror a avião e, mesmo sendo ditadores (para usar sua expressão), nunca fizemos isso. Agora a repórter Natuza Nery contou sua história.
No meu tempo, fui atrás do vagabundo que gozou o episódio em que, ao botar umas flores no túmulo do Soldado Desconhecido, em Paris, as queimei na chama votiva. Brigar com jornalistas foi desperdício de coronárias. Eu fiz besteira, mas não vi a labareda.
Escrevo-lhe para pedir que alongue os pavios do palácio. O seu, como o meu, é curto e vocabularmente agressivo. Resulta disso que encurtou também o da chefe da Casa Civil, a Gleisi Hoffmann, com seu ar angelical. Quando agressiva, ela fica patética.
Eu fazia um gênero cafajeste, afinal, vinha da cavalaria. A senhora faz o tipo durona, pois veio da VPR. Nem todo mundo precisa ser como nós, mas palácio é assim mesmo, muda os outros à nossa imagem e semelhança. Eles fingem achar que somos divindades.
Quer saber? Explodir não adianta nada. Os nossos assessores riem. Alguns deles concluíram que eu tinha ficado maluco. Acabei infartando. Quando vejo a serenidade do Tancredo, o bom humor do JK, o fatalismo do Getúlio, concluo que eu e o Jânio tínhamos muito a aprender.
O Lula finge que explode, mas tem uma veia de vulgaridade parecida com a minha. Leva vantagem porque a administra melhor e se faz entender pelo povo, coisa que eu e a senhora não conseguimos.
Outro dia ouvi a senhora dar um passa-fora no ministro Patriota. Acredite: dou-lhe toda razão, porque ele estava falando bobagem. Eu faria o mesmo, mas hoje sei que não deveria tê-lo feito.
O que adianta brigar com o PMDB? Eu espinafrava aquela gente do meu partido, eles se humilhavam, jurando que não voltariam a trair. Quando chegou a hora, votaram no Tancredo e empossaram o Sarney. Eu não lhe passei a faixa e saí do palácio pela porta lateral.
Fui para casa de alma lavada, mas hoje sei que fiz uma tolice. Se em seis anos não aprendi a ser presidente, a senhora fique certa de que não sou eu quem sabe o que deve fazer. Sei que não deve ficar parecida comigo.
Respeitosamente,
João Baptista Figueiredo
Livraria da Folha
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