Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Elio Gaspari

De Nixon@com para Temer@gov

Crédito: Divulgação Cena do filme "Todos os Homens do Presidente", de 1976, que retrata o caso Watergate
Cena do filme "Todos os Homens do Presidente", de 1976, que retrata o caso Watergate

Caro colega,

Em 1974, quando tive que renunciar à Presidência dos Estados Unidos, o senhor estava concluindo seu doutorado e, pelo que sei, não se meteu naquele movimento destrutivo dos anos 60.

O Roberto Campos, um brasileiro de quem gosto muito desde o tempo em que estávamos aí, me contou que há dias o senhor teve uma conversa com o chefe da Polícia Federal, sem a presença do seu ministro da Justiça. Ele não gostou e pediu que lhe escrevesse.

Saiba, doutor Temer, eu me ferrei no caso Watergate, quando uns doidos da Casa Branca resolveram grampear o escritório do Partido Democrata para apanhá-los arrecadando dinheiro para o que vocês chamam de caixa dois. Era uma mixórdia e o resto da história é conhecido. Pegaram-me tentando obstruir o trabalho da Justiça, pois eu gravava minhas conversas no Salão Oval.

De fato, eu tentei abafar a investigação do FBI, a nossa Polícia Federal. Teria conseguido, se não fosse o tal "Garganta Profunda", o misterioso informante de um repórter do Washington Post. Na mitologia que a imprensa cria em seu próprio benefício, ele só teria sido identificado em 2005, 11 anos depois da minha morte. Besteira. Seis dias depois do início do caso Watergate, quando eu percebi que havia alguém orientando o repórter, suspeitei de Mark Felt, que havia sido preterido na escolha para o lugar de chefe do Federal Bureau of Investigation. Era ele. (O diretor do FBI era homem meu. Serviu para nada.)

Outro dia eu fiz ginástica com o Ben Bradlee, que era o editor do Washington Post à época. Repassamos alguns episódios e ele me contou coisas muito interessantes, mas pediu-me reserva. Para seu governo: o informante decisivo foi um dos jurados do julgamento dos doidos presos quando punham os microfones na sede do Partido Democrata. Conversar com jurado é crime.

Talvez eu só possa revelar essa história quando o repórter chegar aqui.

Doutor Temer, blinde-se. Há dez dias a Polícia Federal mandou-lhe 50 perguntas relacionadas a uma investigação de práticas corruptas no porto de Santos. Disseram-me que algumas delas são substantivas, outras são vagas e há também uma meia dúzia simplesmente impróprias. Responda a todas, mas não trate verbalmente do assunto com ninguém. O Trump encalacrou-se porque inventou uma história de que a reunião de sua turma com os russos foi para tratar da adoção de crianças.

A ideia de conversar com o chefe da Polícia Federal numa audiência que não estava prevista foi desastrosa. Sua assessoria diz que os senhores trataram de assuntos de segurança pública. Permita-me lembrar que o senhor tem um ministro da "Justiça e Segurança Pública". Receber o chefe da Polícia Federal sem o ministro só serve para alimentar insinuações relacionadas a sua segurança política e a mexericos de jornalistas. Eles me odiavam e me acertaram. Arrisco dizer-lhe que eles não o amam.

Como diz um diplomata brasileiro que está aqui, o senhor atravessou a rua para escorregar numa casca de banana que estava na outra calçada.

No limite, até para dar boa tarde ao chefe da Polícia Federal o senhor precisa de uma testemunha.

Com meus votos para que o senhor passe por mais essa provação, este amigo do Brasil despede-se.

Richard Nixon

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