Editor de 'Opinião'. Na Folha, já foi repórter especial, coordenador de Economia em Brasília e secretário-assistente de Redação
Neymar e as commodities
BRASÍLIA - A seleção de 1982, que até hoje embala a nostalgia da crônica esportiva, foi uma precursora das esperanças da redemocratização. Militares já não davam as cartas no futebol, apesar do patrocínio negociado entre a então nascente CBF e a autarquia federal do café. Em campo, as utopias seguiam o comando de Zico e Sócrates, o gênio do título mundial flamenguista e o filósofo da democracia corintiana.
O time era uma linda bagunça que fracassou –como fracassaria a bagunça política e econômica da Nova República, com sua multiplicação de direitos constitucionais impagáveis e planos mirabolantes contra a inflação em disparada.
As coisas só dariam certo em 1994, quando ortodoxia e heterodoxia se combinaram no Plano Real, como Dunga e Romário na equipe do tetra. Mas não despertava entusiasmo o sucesso baseado em disciplina, sacrifício, trancos e barrancos, tão estranhos aos anseios progressistas quanto uma vitória nos pênaltis.
A fantasia renasceu com Ronaldinho, talento emergente do pentacampeonato de 2002, ano em que a mitologia operária de Lula venceu o medo e as eleições. Acomodado às delícias da glória, o craque se tornou crescentemente improdutivo com o passar dos anos, enquanto o país caía na balada dos preços recordes dos produtos agrícolas e minerais, da ascensão social e do consumo.
A pá de cal no ufanismo petista foram os 7 a 1 para a Alemanha da austeridade, em plena Copa do Mundo promovida no Brasil com a ajuda dos financiamentos do BNDES. A economia mergulhava na recessão que ganharia a companhia de escândalos de corrupção na Petrobras e na CBF.
Neymar, eleito o terceiro melhor do mundo em 2015, abrilhanta uma era em que jogadores brasileiros são vendidos como matéria-prima e transformados em produto final na Europa. Tantas décadas depois, o país continua pouco mais que um exportador de commodities.
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