É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
Massacre por uma bagatela
SÃO PAULO - Sunitas e xiitas estão se matando no Iraque. Por quê?
Em princípio, há mais elementos a unir essas populações do que a separá-las. Ambas são árabes e muçulmanas. Elas também estão de acordo quanto aos cinco pilares do islã. As diferenças teológicas e hermenêuticas entre os dois ramos são pequenas, dizendo respeito principalmente à sucessão do profeta Maomé. Não obstante, os desentendimentos alimentaram várias disputas, ainda que o cisma não seja tão sangrento quanto aquele entre católicos e protestantes. Como diferenças diminutas podem causar divisões tão aguerridas?
E a resposta é a natureza humana. No que é considerado um dos experimentos mais cruéis da história da psicologia, de 1961, Muzafer Sherif levou 22 crianças entre 11 e 12 anos a um acampamento em Robbers Cave, Oklahoma. Elas foram divididas em dois grupos, os Águias e os Cascavéis, sem que um soubesse da existência do outro. Durante uma semana, brincaram dentro de seu próprio grupo, sem problemas. Mas, assim que tomaram ciência de que o outro existia, os conflitos começaram. O lado bom é que Sherif mostrou que, quando surgem objetivos comuns, a rivalidade pode ser superada.
Outro grande psicólogo, Henry Tajfel, mostrou em 1971 que não é preciso quase nada para fazer com que uma pessoa se sinta como membro de um grupo. Ele levou meninos de 14 e 15 anos ao laboratório e exibiu a cada um deles telas de Klee e Kandinsky, perguntando-lhes de qual gostavam mais. Em seguida, pediu que distribuíssem dinheiro entre os participantes, que eram identificados apenas como com preferência por Klee ou por Kandinsky. A essa altura, não deve ser surpresa que os garotos favoreceram o próprio grupo, ainda que ele fosse uma ideia artificial e sem rostos concretos.
A religião é um excelente pretexto para nos massacrarmos, mas, se ela não existisse, não teríamos dificuldade em arranjar outros.
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