É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
Perspectiva histórica
SÃO PAULO - Nada como colocar as coisas em perspectiva. Comentei há pouco a iniciativa do "New York Times" de pedir a legalização da maconha, equiparando a atual proibição à Lei Seca (1920-1933), que tentou em vão banir o álcool dos EUA.
De fato, até o início do século 20, a ideia de proscrever o uso de estupefacientes pareceria exótica no Ocidente. Até havia formas de controle, mas elas eram sociais, com religiões e filosofias elogiando a moderação.
O que se fazia naqueles dias choca nossa sensibilidade moderna, forjada no paradigma da proibição e em conhecimentos científicos melhorzinhos. No século 19, por exemplo, havia no mercado os chamados xaropes pacificadores, indicados para cólicas e para tranquilizar bebês. Eram "blends" de narcóticos que até a turma da cracolândia pensaria duas vezes antes de tomar. Uma onça do "Mrs. Winslow's Soothing Syrup" continha 65 mg de pura morfina.
Foi só mais tarde que os médicos começaram a questionar o conceito. Em 1910, o mesmo "NYT" publicou um artigo no qual denunciava os xaropes que continham "...sulfato de morfina, clorofórmio, cloridrato de morfina, codeína, heroína, ópio em pó, Cannabis indica" e recomendava ao público que não os utilizasse.
O historiador Peter Watson vai além e sustenta que o uso de drogas sempre foi tão prevalente e socialmente importante que ajudou a moldar as religiões e ideologias dominantes em diferentes partes do globo. O Novo Mundo, que dispunha de mais alucinógenos que a Europa, desenvolveu religiões mais intimidadoras e refratárias a inovações.
É uma hipótese difícil de confirmar, mas, se é verdade que substâncias psicoativas têm essa centralidade toda e que a maré proibicionista está virando, é possível que todo o elenco de leis antidrogas atualmente em vigor seja em breve interpretado como uma excêntrica Lei Seca ampliada, valendo em escala mundial e por quase um século.
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