É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
Gelo eleitoral
SÃO PAULO - Já comentei aqui a ideia do físico David Deutsch de que a democracia é boa não porque represente a sábia vontade do povo, mas porque é o sistema que mais facilita a remoção de políticas equivocadas. Pensar a sucessão presidencial sob essa chave interpretativa é um exercício interessante.
Não há muita dúvida de que a gestão de Dilma Rousseff cometeu erros na economia. A própria presidente o admite indiretamente, quando promete tirar o ministro Guido Mantega do cargo ao qual chegou em 2006, ainda na administração Lula. A questão é que os efeitos das más decisões do governo, embora já estejam evidentes para os economistas com os quais converso, ainda permanecem relativamente opacos para a população. O emprego, afinal, segue em níveis confortáveis e o impacto da inflação foi em alguma medida acolchoado pelo represamento de preços administrados, como combustíveis, transportes, energia elétrica.
Mesmo descartando os cenários mais catastrofistas, o mar não estará para peixe no próximo par de anos. É razoável imaginar que viveremos tempos de crescimento baixo, inflação chatinha, um aumento do desemprego (não necessariamente para níveis dramáticos) e pouco dinheiro nos cofres do governo para ampliar programas sociais. Será provavelmente difícil manter o eleitorado de bom humor.
A questão é que essa situação só ficará escancarada a partir do ano que vem, quando ou Dilma terá conquistado mais um mandato, ou algum candidato oposicionista terá triunfado. Na primeira hipótese, a responsabilidade pela crise seria creditada ao PT, que presumivelmente levaria um longo gelo eleitoral, mas, na segunda, o partido poderia alegar que tudo ia bem até a oposição assumir e assim preparar seu discurso para voltar, com chances, em 2018.
O paradoxo é que o eleitor mais visceralmente anti-PT deveria agora estar torcendo pela vitória de Dilma.
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