É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
O dilema do pau de arara
SÃO PAULO - Comissão Nacional da Verdade, abusos da CIA... A tortura voltou às manchetes dos jornais, de modo que aproveito para lançar uma provocação.
Imagine que um terrorista sequestrou 200 crianças e as escondeu num prédio onde plantou uma bomba-relógio. Você capturou esse homem, sabe que o artefato será acionado em poucas horas, mas ignora o local em que as vítimas estão escondidas. O criminoso se recusa a falar e não há tempo para procurar em todos os edifícios da cidade. Você o torturaria?
Nessas condições, eu o faria sem dúvida alguma. É uma aplicação razoavelmente simples da ética consequencialista, segundo a qual ações precisam ser julgadas, não através de princípios externos abstratos como Deus ou a ideia de justiça, mas pelos resultados que acarretam.
Num caso como o nosso, calculamos o bem gerado –salvar a vida de 200 inocentes–, subtraímos o mal –violar a lei e ferir um bandido– e, se o saldo for positivo, vamos em frente. Em algum grau, somos todos consequencialistas. Quase ninguém objeta a uma ação em que, para salvar mil pessoas, sacrificamos uma.
O problema com o dilema da bomba e com o consequencialismo em geral é que, nas situações concretas, as histórias nunca vêm tão redondas. Estamos seguros de que a ameaça é real? O suspeito é a pessoa certa? Mesmo que conseguíssemos nos livrar dessas incertezas mundanas, haveria outras mais metafísicas: será que entre as crianças que morreriam não estaria o próximo Hitler, hipótese em que eliminá-la seria benéfico?
Um dos pontos fracos do consequencialismo é que é impossível dispor de todas as informações necessárias para aplicá-lo de modo refletido. Uma alternativa proposta é que devemos nos apegar às regras que a experiência de várias gerações indica produzirem "o maior bem para o maior número de pessoas". É aí que até o consequencialismo pode produzir um argumento contra a tortura.
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