É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
Eu sabia
SÃO PAULO - Serviços de inteligência franceses estão sendo criticados por não ter impedido os ataques terroristas. Os irmãos Kouachi, afinal, estavam no radar das agências e chegaram, por algum tempo, a ser classificados como uma ameaça.
Receio que o problema aqui seja menos a competência da polícia e mais as armadilhas embutidas em nosso modo de pensar, mais especificamente o viés retrospectivo, que é a inclinação para qualificar eventos pretéritos como mais previsíveis do que eram antes de ter acontecido.
Um exemplo clássico é o de Pearl Harbor. Nos dias que antecederam o ataque japonês, os EUA receberam vários sinais. Num despacho interceptado pela Inteligência Naval, Tóquio pedia a um espião em Honolulu detalhes sobre os navios ancorados no porto. Os EUA também tiveram a informação de que a Marinha japonesa trocara, pela segunda vez no mês, seus códigos de comunicação e de que Tóquio instruíra diplomatas a destruir material sensível.
Nós, que sabemos o que aconteceu em 7 de dezembro de 1941, automaticamente ligamos os pontos e acusamos a segurança de não ter visto o óbvio. Só que não foi apenas Pearl Harbor. Algo parecido aconteceu no 11 de Setembro, no 7/7/2005 em Londres e, agora, na França.
A verdade é que a Inteligência vive o dilema de todas as burocracias: como distinguir, dentre milhares de dados coletados diariamente, aqueles que são realmente importantes dos que não passam de ruído?
O problema de fundo, como explica Leonard Mlodinow, é que, em qualquer cadeia complexa de acontecimentos, há uma assimetria fundamental entre presente e passado. Enquanto as coisas estão acontecendo, cada elemento se desdobra numa série quase infinita de incertezas. Mas, quando estamos diante da história acabada, tudo o que não aconteceu perde relevância, e a narrativa se torna enganosamente límpida. Isso se traduz na sensação de "eu sabia".
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