É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
A foto
SÃO PAULO - A imagem de Aylan Kurdi jazendo morto numa praia turca colocou o debate sobre a imigração num novo patamar. De repente, a dor das centenas de milhares de refugiados encontrou concretude numa foto e se transformou numa indignação mundial que, embora difusa, encerra poder mobilizador. De algum modo, a morte do menino imprimiu o necessário tom de urgência às intermináveis discussões entre autoridades europeias.
O curioso aqui é que, a rigor, o triste caso dos Kurdi não agrega nenhuma informação nova. Não era preciso que Aylan morresse para que descobríssemos que conflitos civis e desgraças econômicas variadas vêm levando grandes contingentes de pessoas a desistir de seus países e tentar uma vida melhor na Europa. Os óbices criados pelo velho continente para recebê-los fazem com se arrisquem em travessias perigosas que já custaram a vida a milhares.
Não obstante, foi só depois que a foto circulou pela internet que o drama dos refugiados ganhou saliência e o clima de fato mudou. Por quê?
Aparentemente, humanos somos mais facilmente motivados por estímulos sensoriais e lembranças, que falam diretamente aos centros emocionais do cérebro, do que por cálculos objetivos e raciocínios abstratos.
E aqui, no que não deixa de ser uma perversa ironia, vale observar que o mesmo viés de saliência que agora nos impele a pressionar as autoridades está também na base de nossa rejeição a imigrantes.
É que temos grande facilidade para visualizar todos os problemas gerados pelo choque cultural e por algumas rivalidades reais ou imaginárias, mas não conseguimos enxergar o enorme benefício econômico resultante da incorporação de mais mão de obra, que se dá através de mecanismos um pouco mais sutis.
Nada contra as emoções, mas a humanidade ganharia se aprimorasse a capacidade de enxergar também o que não está diante de seu nariz.
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