É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
A ideologia do Enem
SÃO PAULO - Há algum exagero na acusação de que o governo transformou o Enem numa prova doutrinária, que só aprova candidatos com bons conhecimentos de marxismo-leninismo. Deve-se reconhecer, porém, que o exame, notadamente a parte de ciências humanas, dá generoso espaço a tópicos e autores caros à esquerda.
Fora o tema da redação, que foi a violência contra a mulher, eu contei, usando critérios bem frouxos, 14 perguntas capazes de disparar, ainda que levemente, conexões neuronais esquerdistas nos candidatos. Detalhe importante, a maioria delas não exige que o estudante concorde com a tese para acertar o exercício. São assuntos como globalização, movimentos sociais, feminismo, defesa do meio ambiente. Entre os autores, destacam-se nomes como Simone de Beauvoir, Karl Mannheim, Slavoj Zizek, Agostinho Neto e Paulo Freire. Esse "pot-pourri" representa 31% da prova de ciências humanas –o que não é pouco-, mas mais modestos 7,8%, se considerarmos todas as 180 questões do teste.
Admitindo um toque de cinismo, eu diria até que o viés ideológico da prova é útil para os candidatos, já que, em caso de emergência, podem recorrer a cálculos mentais de segunda ordem: na dúvida entre duas alternativas, opte sempre pela que tem a resposta mais "esquerdista", pois é maior a chance de que seja essa a que consta como correta no gabarito.
Seria muito melhor, porém, que o Inep, o instituto que elabora a prova, buscasse ativamente uma certa neutralidade ideológica no conjunto das questões. Por mais pantanoso e traiçoeiro que seja esse terreno –a rigor, a neutralidade é menos do que uma quimera–, vale a pena procurar um equilíbrio no "pedigree" dos autores citados justamente para que o exame não seja acusado de ser uma peça de propaganda. O compromisso do Inep não deve ser com correntes de pensamento, mas sim com a qualidade e a reputação da prova.
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