É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
Tradição e populismo no Nobel
SÃO PAULO - O Prêmio Nobel de Literatura foi para um... músico. Conceitualmente, não chega a ser um problema. Homero, o pai da literatura, pode ou não ter existido como pessoa física, mas não há muita dúvida de que o trabalho a ele atribuído fixa a tradição dos "aoidoí", os menestréis que cantavam em versos.
Neste caso, porém, o comitê Nobel precisa explicar por que só tomou a decisão de devolver a tradição lírica à literatura agora, com mais de cem anos de atraso.
Outra dificuldade da Academia Sueca será lidar com as incômodas listas de ignorados, que agora ficam potencialmente bem vastas. Com efeito, o rol de escritores esquecidos pela Academia impressiona mais do que muitos dos autores que foram laureados. O primeiro time reúne nomes como Tólstoi, Tchekhov, Zola, Mark Twain, Proust, Rilke, Brecht, Joyce, Borges. O segundo traz gente como Sully Prudhomme, Rudolf Eucken, Verner von Heidenstam, Frans Sillanpää.
A partir de agora, podemos perguntar também por que Dylan e não Leonard Cohen, ou Paul Simon?
Minha impressão é a de que os comitês que decidem o Nobel, a exemplo do ocorre no mundo inteiro, não resistem a um pouco de populismo. Não é nada muito descarado, mas algo que pode ser descrito como administração judiciosa da marca Nobel.
Qualquer nome que seja escolhido inevitavelmente recebe críticas, que o comitê acaba incorporando. Durante muito tempo, as acusações mais frequentes eram de machismo e eurocentrismo. Não demorou para que aparecessem entre os laureados em literatura mais mulheres e alguns nomes africanos e asiáticos.
Outras vezes, a Academia foi criticada por escolher autores obscuros que escrevem em línguas impenetráveis. Aí, o antídoto é premiar gente como Dylan, que encanta multidões e compõe em inglês. Assim, na média, o comitê acaba acertando.
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