É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
A ciência das marginais
SÃO PAULO - Dá para aumentar a velocidade máxima nas marginais?
Para os apressadinhos, o prefeito Fernando Haddad violou nossa liberdade de ir e vir quando mandou reduzir o limite para 50 km/h na via local e para 70 km/h na expressa. Cabe ao futuro alcaide, João Doria Jr., resgatar as garantias fundamentais ao restaurar as velocidades originais de 70 km/h e 90 km/h.
Já para os conscienciosos, são insofismáveis as evidências de que, para preservar vidas, os limites devem ser mantidos como estão. Ignorar isso é ignorar a ciência, o que equivale a cometer crime de obscurantismo.
Inclino-me mais para o lado dos conscienciosos, mas é preciso examinar essa opção criticamente. A ciência de fato mostra que, quanto maior a velocidade dos carros, piores tendem a ser as consequências de acidentes. A escala é exponencial e não linear. Como bem exemplificou meu amigo Leão Serva, um atropelamento que ocorra com o veículo a 20km/h dificilmente resultará em morte; a 30km/h, 5% das vítimas perecem; a 50km/h, metade dos atropelados perde a vida; a 60km/h, 85%; e, a 80km/h, ninguém sobrevive.
A ciência para por aqui. Ela nos traz essas valiosas informações, mas não oferece critérios para que tomemos uma decisão. Qual é a proporção de mortes aceitável? Se for zero, como proclamaria o humanista radical, os 50 km/h de Haddad ainda configuram um genocídio. Se formos mais tolerantes, admitindo que alguns morram para que muitos cheguem antes em casa, onde traçar o limite? E, admitindo um, por que não subtrair dele uma fatia quase imperceptível, algo como 3 km/h, para salvar mais um punhado de vidas?
A verdade é que, como já apontava David Hume, não dá para extrair um "ought" (deve ser) de um "is" (é). A ciência apenas descreve o mundo, mas não nos legitima a inferir daí comandos normativos. Essa é uma tarefa que pertence inapelavelmente à filosofia, ou, pior, aos "gestores".
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