É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
Editando a natureza
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Mosquito do gênero Anopheles, transmissor da malária |
SÃO PAULO - Se você tivesse uma chance de eliminar da face da Terra uma doença tão mortífera como a malária, hesitaria em tentar? Nosso primeiro impulso é responder com um sonoro "não", mas as coisas podem não ser tão simples.
A tecnologia para que possamos interferir de modo direto e decisivo sobre o que antigamente se chamava de grande cadeia do ser já está aí. É o que o pessoal de língua inglesa batizou de "gene drive", a possibilidade de dirigir a evolução de espécies de reprodução sexuada alterando a proporção em que certos genes são passados de uma geração para a outra.
Utilizando a Crispr-Cas9, uma técnica que permite editar o DNA, já dá para modificar um mosquito fazendo, por exemplo, com que ele só produza gametas do sexo masculino e transmita tal característica aos descendentes. Assim, se indivíduos alterados forem liberados numa população, é questão de tempo até que ela encontre a extinção por ausência de fêmeas. Se esse mosquito for o Anopheles gambiae, principal responsável pela transmissão da malária na África, estaremos poupando centenas de milhares de bebês a cada ano.
Conservacionistas radicais dizem que não temos o direito de eliminar nenhuma espécie, mas esse argumento quase religioso não me comove. Já extirpamos o vírus da varíola (consideremos que vírus são seres vivos) e não houve reclamações. Conservacionistas menos radicais, porém, têm um ponto. É arriscado interferir com ecossistemas. Qual o impacto da extinção do anófeles na cadeia alimentar? O nicho ecológico por ele ocupado não seria tomado por outra espécie? Que garantia temos de que o parasita da malária não se adaptaria ao próximo mosquito?
Não devemos renunciar a moldar o mundo para nossa conveniência —o que já fazemos há milhares de anos—, mas é bom providenciar antes protocolos de segurança que reduzam a chance de nos tornarmos vítimas do muito que não sabemos.
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