É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
A Uber e o livre-arbítrio
Toby Melville - 28.out.16/Reuters | ||
Usuário mostra aplicativo da Uber em celular |
SÃO PAULO - O que a Uber tem a ver com o livre-arbítrio? Muito. O "New York Times" publicou domingo (2) uma reportagem em que mostra como a empresa responsável pelo aplicativo desenvolveu truques psicológicos —alguns inspirados em técnicas de videogame— para incentivar os motoristas a trabalhar por mais tempo e em locais e horários que interessam mais à companhia do que ao próprio profissional.
Segundo o jornal, a Uber promoveu um "extraordinário experimento em ciência comportamental", para o qual contratou centenas de cientistas. Vale um pouco de tudo: mensagens que tentam convencer o motorista a aceitar a próxima corrida antes de encerrar a atual, alertas de que ele está prestes a fazer "x reais" naquele dia, prêmios não monetários.
Por que tudo isso? É simples. A Uber não contrata seus motoristas. Eles são todos terceirizados, o que reduz bastante os custos trabalhistas, mas cria uma dificuldade: a empresa não pode determinar onde nem por quanto tempo cada condutor deve atuar. A solução foi desenvolver formas mais ou menos sutis de incentivá-lo a fazer o que interessa à Uber.
E onde entra o livre-arbítrio? Bem, se ele existe, então a Uber não está fazendo nada de muito condenável. Sendo um agente livre, cada motorista sempre poderá dizer "chega", desligar o aparelho e voltar para casa para descansar. Mas, se o livre-arbítrio não passa de uma ilusão, como defende parte dos filósofos e neurocientistas, então a Uber entra em um terreno eticamente pantanoso, já que "transforma" os motoristas em empregados sem pagar por isso.
Essas reflexões não valem só para a Uber. Consumidores e eleitores também são manipulados por publicitários e marqueteiros. A questão é que as técnicas usadas estão se tornando cada vez mais científicas e eficientes. Se o livre-arbítrio não existe, elas podem em tese tornar-se irresistíveis, o que faria de nós autômatos a serviço de empresas e políticos.
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