É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
Desolação
Family of Charlie Gard/Associated Press | ||
O bebê Charlie Gard, que possui uma doença terminal, no Hospital Infantil Ormond Street, em Londres |
A bioética, como já disse aqui, é a mais depressiva das especialidades filosóficas. Seus manuais são uma coleção de situações médicas trágicas que geram dilemas sem solução. O caso do bebê Charlie Gard ilustra isso com perfeição.
Charlie tem 11 meses e está internado no Great Ormond Street Hospital, em Londres. Respira com a ajuda de aparelhos. Ele sofre de uma síndrome genética rara que afeta o DNA mitocondrial, de modo que suas células não conseguem produzir energia suficiente para funcionar bem.
Os médicos do hospital julgam que estender a vida do bebê seria desumano. Como os pais não concordam, a decisão foi para as mãos da Justiça, que deu razão aos médicos, autorizando o desligamento dos aparelhos. Houve recursos, mas a sentença foi confirmada pela Corte de Apelações, a Suprema Corte britânica e a Corte Europeia de Direitos Humanos.
O caso, porém, ganhou dimensões políticas. Os pais insistem na possibilidade de um tratamento experimental e receberam o apoio de Donald Trump e do Vaticano, que se ofereceram para tentar salvar o bebê. Theresa May se pôs ao lado da Justiça, que não permite uma transferência.
Não haverá final feliz aqui. Os médicos e as cortes estão certos ao definir que esforços terapêuticos precisam parar em algum ponto. Não dá para insistir em tratamentos fúteis. Por cruel que seja dizê-lo, é preciso pensar também em custos. Creio, entretanto, que os juízes avançaram o sinal ao vetar uma transferência sem ônus para o sistema. Ainda que ela possa prolongar o sofrimento do bebê, essa é uma esfera da intimidade em que a Justiça sabiamente evita entrar. É raro cortes determinarem que pacientes/responsáveis desistam de um tratamento de câncer com mínima chance de sucesso, por exemplo.
Se existe um princípio heurístico na sempre triste bioética, é o de que o respeito à autonomia do paciente e seus familiares é quase sempre a resposta menos ruim.
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