É repórter especial. Na Folha desde 1992, foi repórter, editor, correspondente, secretário de Redação e diretor da Sucursal de Brasília. Escreve às quartas.
Sem opção e com agenda dura à frente, Temer beija a cruz do reformismo
Alan Marques/Folhapress | ||
Presidente Michel Temer se reúne com integrantes da comissão da reforma da Previdência, em Brasília |
O governo Michel Temer precisa descansar bem durante a folga do Carnaval, pois o que vem por aí é uma agenda vertiginosa que fará desaguar no mesmo riacho poderosas forças na política e na economia.
Sua habilidade ou não em transpor as corredeiras até o meio do ano deverá ajudar a formatar a impressão que seu curto governo deixará na história.
Começando pelo imponderável, a Lava Jato, sempre ela. A delação da Odebrecht, "do fim do mundo" para o público, terá seus detalhes divulgados nos próximos meses -talvez de uma só vez, mais provavelmente em prestações. O procurador-geral Rodrigo Janot, se por fim não buscar um terceiro mandato, deixa em tese o cargo em setembro; certamente não irá embora com essa lacuna aberta.
O impacto político ajudará a definir o grau e qualidade de sobrevivência de Temer, de seu gabinete, de sua base de apoio e de praticamente todo mundo com a cabeça na eleição de 2018.
Neste contexto, a discussão sobre o foro privilegiado em curso no Supremo e a tentativa unânime da classe política de tornar caixa 2 uma infração menor, dissociada dos crimes que o petrolão mostrou serem tão intrinsecamente ligados à prática quanto de difícil identificação, serão pouco racionais.
Junho chegará com o Congresso do PT em que Luiz Inácio Lula da Silva deverá dar a palavra de ordem a suas hostes. Se será candidato ao Planalto, tendo condições jurídicas para tal, e se irá apoiar-se somente na bandeira do saudosismo do "feel-good factor" dos seus anos no poder -que seu governo tenha assistido o assalto à Petrobras, a farsa da bonança do Rio, a montagem do arcabouço que nos deu Dilma Rousseff e sua ruína, isso é outro ponto.
Um Lula na rua será espinho para um Temer buscando fazer avançar sua agenda parlamentar ambiciosa e, até aqui, bem-sucedida. Afinal de contas, uma coisa é aprovar a PEC do teto de gastos, outra é convencer deputados e senadores a serem acusados pela oposição de "destruir os direitos dos trabalhadores" sem querer discutir conteúdo.
Não importa o quanto isso seja falso; no Brasil, a tal da pós-verdade vem desde Cabral.
A agenda da reforma trabalhista supõe-se mais fácil de negociar, dado que mesmo as jurássicas centrais sindicais brasileiras já perceberam alguma inevitabilidade. Como irão reagir na hora H, em especial com a previsível reação às mudanças na Previdência, é outra questão.
O cenário econômico no geral começa a conspirar em favor do Planalto. Há sinais aqui e ali de retomada de atividade, embora nada que permita a criação de um bloco carnavalesco comemorativo por Temer. Nesta quarta (21), o Banco Central deve referendar mais uma queda nos juros, e o governo parece seriamente empenhado em bolar uma simplificação tributária ainda este ano -mesmo o fantasma da CPMF foi invocado, no Planalto e no Congresso, sob a condição de que só encarnaria no cadáver do IOF.
Nesta terça (21), o impopular Temer falou pela enésima vez sobre o que pretende para si: ser visto como um reformista que resistiu à pressão do populismo, mas não à vontade de tomar medidas populares. Sempre há coisas no bolso para isso: uma liberação de contas inativas do FGTS, um reajuste de Bolsa Família.
Mas são insuficientes para mudar rapidamente o principal indicador a preocupar o governo: o desemprego galopante herdado da recessão provocada por Dilma. Sem isso, não haverá guinada em pesquisas e ambiente favorável para construir uma candidatura governista em 2018.
Se não por gosto, mas talvez por força da realidade orçamentária e dos limites do pacto político que o sustenta, Temer segue beijando a cruz do reformismo, ciente de que ela não trai a natureza das cruzes: mesmo que dê certo, o reconhecimento só vem bem depois _se vier.
*
Se há um aspecto engraçado da crise de modelo político que começou a afogar o país em 2013 e segue sua desabalada carreira, como diziam os delegados antigamente, é que nunca faltam episódios anedóticos para acentuar o caráter burlesco de nossa República.
A vez agora foi do impagável Romero Jucá, senador todo-poderoso do PMDB de Roraima. Ao comentar ao "Estado de S. Paulo" a hipótese de que o foro por prerrogativa de função não pode ser extinto apenas para políticos, ele saiu-se com essa: "Suruba é suruba".
De um homem público que só não continuou como mandachuva do governo Temer porque foi pego em grampo bolando hipóteses para "estancar a sangria" gerada pela Lava Jato, não se esperava nada diferente em terminologia.
A novidade pontual está no fato de que, na essência se não na forma e na intenção de ameaçar o Judiciário, Jucá está certo. Se vale para o senador, tem de valer para o juiz.
A inconfidência desbocada também diz muito sobre a noção, clara a todos os políticos, de que a Lava Jato parece ter estabelecido um ponto de não retorno na vida pública do país -como já escrevi em algumas ocasiões, com excessos também.
Mas como disse um dos procuradores que chefiam a operação, a alegação de que a ação "criminaliza a política" é patética; bastaria que os políticos não tivessem cometido os ilícitos que vêm sendo descobertos há quase quatro anos.
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