Colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa as questões políticas e econômicas. Escreve aos domingos e quintas-feiras.
Carnaval da guerra
Parecia Carnaval, um tanto estilizado pelas multidões mais afeitas a espectadoras imóveis dos shows de rock do que à ginga do samba e à graça das marchinhas. Parecia, mas era guerra. Mais uma, não bastando Eduardo Cunha versus governo, Lava Jato versus corrupção na Petrobras, PSDB contra PT, imprensa contra Lula, e as muitas menos prestigiadas pelos bombardeios.
Duas combatentes, entrevistadas como diretoras de um bloco, diziam coisas sem nexo: trabalham o ano inteiro na organização do bloco, apesar dos seus diplomas universitários só se ocupam do bloco, organizá-lo exige muitas reuniões de trabalho. Mas o bloco nada tem de especial, nem fantasias próprias, nem alegorias, nada. Só gente, gente, gente. E cerveja, cerveja, cerveja. Mas tem novidades, sim. Inovações de verdade.
Uma nova profissão: fundador e diretor de bloco, antes ocupação amadora, tornou-se profissão. Emprego sem risco de demissão. O velho "general da banda" só deu samba, mas ser general ou generala de bloco dá dinheiro. É que os fabricantes de cerveja trouxeram para as ruas a guerra até então disputada só na TV e nos bares.
O grande aumento do número de blocos no Rio e em São Paulo neste ano, apoiado no grande aumento do incentivo "jornalístico" para o comparecimento das massas, foi fabricado e financeiramente bancado por indústrias de cerveja. Um programa desenvolvido ao longo do ano. Cada multidão com nome de bloco veio a ser, na verdade e sem saber, como uma reunião inumerável de pontos de venda: a multidão de consumidores acompanhados pela multidão de carrocinhas, carrinhos, triciclos vendendo latas de cerveja. E aí a chave do negócio: em cada bloco, cerveja de um só fabricante. Exclusivo, aliás, de numerosos blocos, áreas de concentração e de dispersão.
Para as cervejeiras envolvidas, uma operação em tudo bem sucedida. Para a guerra entre o marketing, promotor de vendas, e os consumidores, desinformados e compelidos, uma evidência a mais de que a liberdade de escolha e a educação para o gosto consciente estão irrefreavelmente derrotadas. E, no entanto, eram valores da cidadania.
BEM MAIS
No essencial, o retorno da acusação do empreiteiro Ricardo Pessoa ao advogado Tiago Cedraz não traz novidade, mas tem duas qualidades. De uma parte, mostra a lerdeza, ou o desinteresse, da PF e da Lava Jato no apontado recebimento, pelo filho do presidente do Tribunal de Contas da União, Aroldo Cedraz, de pelo menos R$ 2,2 milhões para "serviços" dentro do tribunal. Tiago alega que o dinheiro foi para o Solidariedade de Paulinho da Força.
Além disso, a volta do assunto talvez lembre a Ricardo Pessoa mais revelações sobre o TCU. Pode ser que lhe falte memória, ou outra coisa, mas não o que revelar.
ATOS E PALAVRAS
O presidente e o diretor afastados da Andrade Gutierrez e presos há sete meses na Lava Jato, Otávio Azevedo e Elton Negrão, foram soltos na véspera do Carnaval depois de assinarem acordo para delação premiada. Quem, preso no mesmo dia, não o assinou, o juiz Sergio Moro manteve preso.
Já que a nova Justiça brasileira, inclusive o Supremo Tribunal Federal, não considera que haja opressão e coação para acusados cederem à delação premiada, é preciso que os ministros e magistrados proponham palavras para substituir as do vernáculo e do Direito. Porque as atitudes que as palavras consagradas e recusadas descrevem, essas continuam.
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