Escritor português, é doutor em ciência política.
Escreve às terças e às sextas.
Política líquida
Anos atrás, um jornalista do "The New York Times" revelou ao mundo que o presidente Lula bebia. Honestamente, não conheço os hábitos etílicos de Lula. Mais importante ainda: não quero saber. E o comentário do jornalista só revelava a mediocridade politicamente correta que foi destruindo o jornalismo moderno.
Infelizmente, o Palácio do Planalto não entendeu as coisas da mesma forma. E em gesto igualmente absurdo, decidiu expulsar o correspondente do país. Isso não é coisa de um governo civilizado. É um acto só imaginável na Venezuela de Maduro (ou do saudoso Hugo Chávez).
Acontece que a Europa não está em melhor estado. Nos últimos tempos, os líderes europeus têm discutido qual será o próximo presidente da Comissão Europeia (e o sucessor do português José Manuel Durão Barroso). O ex-premiê do Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, foi o nome indicado, até porque a direita ganhou as eleições no Velho Continente.
Azar: o Reino Unido (e a Hungria) votou contra a escolha. Por razões políticas respeitáveis, sim: Juncker tem ambições federalistas que são anátema para os conservadores.
Mas nos últimos tempos, sobretudo na imprensa conservadora, surgiu uma nova acusação contra Juncker: o homem bebe mais do que a conta. Parece que é conhaque ao pequeno-almoço e outras substâncias de igual calibre ao longo do dia. Será esse o político certo para liderar a Europa?
Essa pergunta deveria envergonhar os conservadores. Sobretudo os conservadores que ainda se lembram de um certo Winston Spencer Churchill –um premiê que começava o dia com conhaque, continuava com uísques diversos e terminava com Pol Roger.
Aliás, sobre o champanhe favorito de Churchill, convém citar uma das frases mais conhecidas do senhor: "Na vitória, eu mereço. Na derrota, eu preciso."
Felizmente para a Europa durante a Segunda Guerra Mundial, houve Pol Roger em quantidades apreciáveis para que Churchill, pelo menos até à entrada dos Estados Unidos no conflito em 1941, aguentasse as investidas alemãs e levantasse a moral de uma nação inteira.
Claro que não estou a comprar Juncker com Churchill. Longe, longe disso. Apenas digo que, pela experiência dos próprios conservadores, a suspeita de que Jean-Claude Juncker bebe não deveria ser argumento contra a sua indicação.
Pelo contrário: se o homem bebe e, mesmo assim, defende ideias federalistas, só podemos concluir que o problema de Juncker é ele não beber o suficiente para se aproximar mais da sensatez do velho Winston.
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