Escritor português, é doutor em ciência política.
Escreve às terças e às sextas.
A vitória do terrorismo
Semanas atrás, os jornais noticiaram que o autoproclamado "Estado Islâmico" tinha executado 200 crianças sírias. A notícia revelou-se duvidosa —terão sido 200 soldados sírios, e não crianças— mas, para o caso, tanto faz.
Quando a notícia surgiu nos jornais e nas TVs —200 crianças executadas— o Ocidente prestou dois minutos de atenção, provavelmente lamentou a barbárie e depois seguiu em frente com alívio. Aquela selvageria era um fenómeno distante. E a distância era a certeza confortável de que a Europa (e o Ocidente) vive num planeta diferente.
Não sou exceção. E, a propósito da (falsa) sensação de segurança, recordo uma conversa com uma amiga israelense, anos atrás.
Dizia-me ela, em plena "segunda intifada", que o mais dramático não eram os ataques suicidas em restaurantes ou cinemas de Tel Aviv. Isso já fazia parte da rotina diária de qualquer adulto.
Só uma sombra a angustiava verdadeiramente: ver os filhos a sair de casa de manhã para irem à escola e não saber se eles retornariam à noite.
A confissão provocou-me um arrepio pela espinha abaixo, mas s sensação de alívio foi a mesma: ainda bem que a Europa não sabe o que isso é.
Sim, houve atentados em Madrí. Sim, houve atentados em Londres. Mas, aqui entre nós, foram atentados únicos, e não parte de um processo recorrente.
Pois bem: os massacres de 13 de novembro em Paris terminaram com a fantasia dos "dois planetas". Israel está entre nós e é perfeitamente legítimo que um parisiense, ao despedir-se dos filhos pela manhã, pergunte interiormente se os voltará a ver.
O terrorismo deixou de ser um ato isolado, ou seja, fora da realidade. Passou a fazer parte da realidade, como um vírus descentralizado e imprevisível que paira agora sobre a cabeça de qualquer cidadão com uma vida "normal".
Perante esta nova página na história da Europa, o que esperar?
Pessoalmente, estou um pouco cansado, para não dizer enojado, com o cortejo repetido de clichês: as declarações solidárias dos chefes de Estado —os mesmos que deixaram o "Estado" Islâmico crescer e multiplicar-se. E as afirmações piedosas de líderes muçulmanos que lamentam as atrocidades.
Por uma única vez, gostaria que o Ocidente poupasse nas palavras e reduzisse a pó uma ameaça que está perfeitamente identificada (e territorialmente localizada) nos confins da Síria.
E gostaria ainda que os líderes das comunidades muçulmanas não apenas condenassem os atos, mas começassem a mostrar trabalho. De que forma?
Denunciando às autoridades os jovens "problemáticos" que dão sinais de fanatismo.
Se nada disso acontecer, Paris será Londres; Londres será Roma; Roma será Madrid; Madrid será Lisboa.
E as comunidades muçulmanas que vivem pacificamente na Europa serão as primeiras vítimas daqueles que se proclamam como seus "irmãos de fé". Como?
Levando os eleitores europeus a premiarem governos que farão da segurança um mecanismo de repressão e exclusão de tudo aquilo que cheire a "diferente".
Essa, aliás, seria a principal vitória dos jihadistas: deixar que o pluralismo ocidental que eles tanto abominam fosse destruído pelos próprios ocidentais.
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