José Luiz Portella Pereira, 60, é engenheiro civil especializado em gerenciamento de projetos, orçamento público, transportes e tráfego. Foi secretário-executivo dos Ministérios do Esporte e dos Transportes, secretário estadual dos Transportes Metropolitanos e de Serviços e Obras da Prefeitura de São Paulo e presidente da Fundação de Assistência ao Estudante. Formulou e implantou o Programa Alfabetização Solidária e implantou o 1º Programa Universidade Solidária. Escreve às quintas-feiras.
Motos
As motocicletas continuam protagonizando um triste ciclo. Já se sabe do problema, mas, como muitos outros, a sociedade vai se acostumando, "deleta" o assunto e segue em frente.
Quando as estatísticas repicam a dura rotina das notícias incômodas, volta-se ao tema. Provavelmente por um ou dois dias. Porque outra notícia desagradável ocupa o noticiário.
Deu na coluna da Mônica Bergamo na Folha que o número de acidentes fatais no Estado de São Paulo subiu 18% em dois anos, entre 2009 e 2011. Passou de 1479 para 1721. Gastos com internação cresceram 76%, chegando a R$27 milhões. O levantamento é da Secretaria de Estado da Saúde. Que constata: "os acidentes estão cada vez mais violentos, por causa de imprudência e excesso de velocidade".
Paulo Giandalia - 5.fev.1998/Folhapress |
Motociclista cometendo uma infração: sem uso do capacete |
No pronto-socorro do Hospital das Clínicas da USP, 44% dos internados são acidentados com motos. Além do desperdício de vidas, muitos ficam paralíticos e outros tantos com sequelas graves permanentes.
Os acidentes afetam também outros aspectos da vida da vítima. Estudo feito no mesmo hospital mostra que o trauma causa endividamento, perda do lazer e alterações na rotina familiar. Há casos de familiares que deixam seus empregos para cuidarem dos acidentados. É um circo de horror aceito mansamente.
Além dessa herança trágica, as motos hoje são o maior fator de tensão no trânsito. Não bastassem os congestionamentos, elas aumentam com substância o rol de medos aos quais os paulistanos são submetidos.
E não há nada que diminua mais o prazer de viver do que o medo. Constante e amplo. Medo de ser assaltado, de idosos caírem nas calçadas -são 130 mil acidentes por ano-, medo de sequestro relâmpago, medo de estacionar, medo do flanelinha agressivo, de ficar preso no trânsito, medo de chuva.
Ninguém quer enfrentar o problema. Recentemente, depois de longa postergação, entrou em vigor lei que disciplina o uso de moto exigindo maior habilitação. Contudo, não se vê uma fiscalização a respeito. É como se a lei não existisse.
Já se pensou na obrigatoriedade de coletes de identificação, em outras medidas organizadoras, e nada. Os motoqueiros resistem.
O problema não pode persistir. Motoqueiros não devem ser estigmatizados como vilões nem como "coitadinhos" explorados pelos patrões. Boa parte cumpre as regras. Boa parte não as cumpre conscientemente.
Certo é: precisamos regulamentar mais, fiscalizar mais e instituir um sistema de operação para o tráfego de motos. Quer dizer, de engenharia de campo impondo procedimentos.
O trânsito é uma boa metáfora para a vida em sociedade. Todo mundo sai com objetivos e trajetos diferentes e conflitivos. No entanto, todos voltam para os lares, à noite. Isso acontece porque a grande maioria segue regras estabelecidas: cruza o sinal no verde, espera no vermelho, respeita as mãos de direção, mantém a velocidade regulamentar.
As motos querem ter livre trânsito: atender a regras que impliquem isenção das normas a que outros motoristas são submetidos. Quando querem, andam em velocidade nos corredores, entre os carros. Se preferirem, trafegam no meio da pista, no ritmo desejado. Param em qualquer lugar; saem de supetão.
Não são todas. Mas são várias.
Os bons motoqueiros não devem se sentir atingidos. Porém, os imprudentes, que não são poucos. Os números estão aí.
São Paulo, para o próprio bem e para servir de exemplo a outras cidades do Brasil, deve estabelecer (óbvio que dentro da legislação) procedimentos operacionais específicos. Claros, inovadores e ousados. Para o bem de todos. Para preservar a vida dos motoqueiros, sobretudo.
Chega de bancar o avestruz.
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