José Luiz Portella Pereira, 60, é engenheiro civil especializado em gerenciamento de projetos, orçamento público, transportes e tráfego. Foi secretário-executivo dos Ministérios do Esporte e dos Transportes, secretário estadual dos Transportes Metropolitanos e de Serviços e Obras da Prefeitura de São Paulo e presidente da Fundação de Assistência ao Estudante. Formulou e implantou o Programa Alfabetização Solidária e implantou o 1º Programa Universidade Solidária. Escreve às quintas-feiras.
Movimento Passe Livre no passo errado
Há muito tempo não se reunia tanta gente para uma manifestação. Começou com duas mil e, na terça, segundo a PM, chegou a cinco mil pessoas. Movimentos anteriores por causa melhores chegaram, quando muito, a três centenas de integrantes.
É fundamental haver um espírito crítico. Principalmente na juventude. E que ele pressione por mudanças. Mesmo quando elas são difíceis. Ninguém é imune à pressão e ela serve para que o poder público se mobilize. Poder público no conforto, a coisa não avança na velocidade necessária.
O Brasil já amadureceu o suficiente para saber que toda manifestação é um direito de expressão que deve ser respeitado. A questão é a forma como é feito. No caso do "Movimento Passe Livre" há dois equívocos cruciais que o conduzem para o Passo Errado.
Perder o foco correto faz toda a diferença. Desperdiça-se toda a energia de reivindicação, necessária para manter a sociedade lutando por seus direitos. O erro maior é o jeito. O vandalismo não ocorre por causa da repressão da PM como dizem alguns manifestantes. Pelo que se observa, ele está no cardápio do evento. Portanto, com ou sem a repressão policial, encontrariam uma forma de aplicá-lo. Tem gente pronta para depredar (e quem não queira fazê-lo).
O segundo erro é ter como foco a questão do valor da passagem na questão da mobilidade.
Claro que quanto mais barato melhor, mas o orçamento é finito. Temos que fazer escolhas. A prioridade é investir em oferta: mais metrô e corredores de ônibus.
Já existem várias coisas que ajudam a diminuir este custo:
- Bilhete Único;
- Meia passagem para os estudantes;
- Vale Transportes para os trabalhadores, inclusive os domésticos - 6% sai do salário e o restante fica por conta do empregador.
E, mais importante que tudo: felizmente, a renda dos trabalhadores tem aumentado e vivemos uma situação de quase pleno emprego.
Nenhuma pesquisa ligada à mobilidade aponta o preço da passagem como principal problema do usuário. O problema é de oferta. Tem muita gente precisando deslocar-se e podendo pagar, mas a oferta é insuficiente. Por isso, ônibus e metrôs andam dramaticamente cheios na hora de pico.
Almeida Rocha - 10.ago.2010/Folhapress | ||
Falha no circuito elétrico interrompeu circulação de trens da CPTM e lotou plataforma da estação Tatuapé do Metrô |
Se o "Movimento Passe Livre" quiser usar energia para fazer a boa briga, deve escolher passos melhores. Num âmbito maior: protestar contra o sistema representativo proporcional que temos, a possibilitar que a maior parte dos representantes não precise se preocupar com a população. Com a ponta da linha. Com o eleitor.
Porque, a cada eleição pode mudar de freguesia, buscar voto em outro lugar e fugir das cobranças. O candidato precisa de um financiador. E prestar contas a ele. Isso gera a maior parte dos males e da incongruência entre vontade do povo e comportamento dos seus representantes. É muito grave.
Se quiserem se ater à questão da mobilidade: protestar para que o governo retire os impostos da construção de metrô (40% do custo, que é considerado alto e usado como motivo para não se investir são impostos).
O governo desonera a compra de veículos estimulando mais carros na rua (menos mobilidade e mais poluição) e não desonera a cadeia de construção de metrô. A cada quilômetro construído, poderíamos ter 1,66 km. Agiliza bem.
Outro bom protesto é o emprego na periferia. Tão falado e tão mal conduzido. Não são desonerações de IPTU e ISS que vão levar emprego de monte à periferia. Isso já foi tentado sem sucesso.
É a organização de atividades da economia criativa, a economia que mexe com a criação e seus produtos. Como dar condições de trabalho (local e equipamentos, que são baratos para o governo) para grupos de costureiras, para jovens que criam "games" e outros produtos de internet, para músicos e artistas. Isso é factível. Fácil e barato. Na cidade de São Paulo a economia criativa representa 10% do PIB (que é 12% PIB do Brasil). Poderia ser mais.
Divulgação | ||
Campus Party em São Paulo |
Emprego na periferia permite, só em São Paulo, em cinco anos, tirar 500.000 pessoas do deslocamento na hora de pico. E ter horas do dia para uma vida melhor.
O passe livre está errado. Tem gente nisso por interesse político e que busca o vandalismo. Mas tem também quem pense estar ajudando numa causa importante.
Depredação e violência são inaceitáveis e inegociáveis.
Com essa turma não. Desse modo não dá.
A juventude andava desacorçoada e desmobilizada. Tem idealistas. Outros precisam vir.
Necessitamos de utopia, de sonhos na cabeça, da vontade de mudar o mundo. Com um pé no chão.
Acertando o foco, essa energia é fundamental.
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