Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri

Que aqui dê tudo errado

Não brigar com os fatos é obrigação do bom jornalismo.

Deveria se o beabá de quaisquer governantes.

O país que apoiava maciçamente a Copa já a apoia apenas por escassa maioria, de 79%, em 2008, para 52% agora, segundo o Datafolha.

Brasília já sabia disso por meio de suas pesquisas e resolveu mudar o discurso: saem os legados, quase inexistentes, entra a festa do futebol.

A "Copa das Copas" passa a ser o mote, verdade que embute uma mentira. Porque exalta a primeira Copa com todos os campeões, embora só seja a primeira com oito. Com sete houve outras recentes, a da África, na qual a Espanha se tornou a oitava campeã, ou a da Ásia, em 2002, com os mesmos sete de 2010.

O que lembra a célebre campanha desta Folha, criada por Washington Olivetto, em 1987, que dizia ser "possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade" –e remetia aos discursos de Hitler.

Longe daqui a ideia de comparar a marquetagem nazista com a do governo brasileiro, apesar do que se viu nas remoções de moradores do entorno das obras dos estádios, com o requinte de casas marcadas, como se fez com a dos judeus –prática repudiada, recentemente, pelo atual, e arrependido, prefeito do Rio.

É de se lamentar que o PAC tenha empacado em relação às promessas para 2014 e que as obras de concreto armado tenham se transformado em mera criatividade publicitária.

Como é triste constatar que armado mesmo estará o esquema de segurança, menos para prevenir improváveis atos terroristas e mais para coibir protestos.

Antipático, mas obrigatório, lembrar quantas advertências foram feitas para o pau que nascia torto, condenado a morrer torto. Ninguém minimamente responsável deixa um empreendimento do tamanho de nosso megaevento nas mãos de um comitê organizador montado por apadrinhamentos e nepotismo. Deu no que está dando –e tem tudo para se repetir na Olimpíada, nas mãos de quase todos que conduziram ao fiasco do Pan-2007, mesmo que, enfim, o Palácio do Planalto tenha posto lá um general para tentar mudar a marcha em andamento.

O Brasil poderia fazer uma Copa exemplar, com a nossa cara, feia muitas vezes, mas bela sem precisar de maquiagem em tantas outras.

Em vez da implantação de uma política que mobilizasse a população para receber o mundo sem escamotear nossas carências, mas em torno do que somos e temos sido capazes de realizar, apela-se para a propaganda enganosa e descarada.

Enquanto isso, torcedores uniformizados são mortos a golpes a porretadas pelo simples fato de estar com uma camisa que não é a dos assassinos.

Oxalá não aconteça e que a campanha pré-Copa do Mundo não acabe em mau anúncio final.

Melhor estar errado, mas é o que se vislumbra.

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