Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.
Uber, táxis e prefeitura em desacordo
Pontos de táxi se tornaram obsoletos. Hoje, milhares de taxistas estão usando aplicativos para celular, como 99táxis, Easytaxi e outros. Quando acharam que a tecnologia só soprava ventos ao seu favor, entretanto, se depararam com o Uber.
"É criminoso", costumam disparar, indignados. O aplicativo internacional, que assusta taxistas de vários países, chegou ao Brasil pouco antes da Copa, oferecendo corridas mais caras em carros pretos com motoristas de terno.
O táxi é concebido pela lei como um transporte público operado por pessoas físicas sob concessão municipal. Cabe à prefeitura dizer quantos carros podem explorar o serviço, quanto deve custar etc. Embora tenha o melhor serviço do Brasil, em qualidade e confiabilidade, o sistema de táxis de São Paulo espera há anos por uma profunda reestruturação.
A primeira coisa que chama atenção é a hipocrisia que marca a relação entre a prefeitura e taxistas no que diz respeito ao alvará que autoriza a exploração do serviço de táxi. Por lei, ele é pessoal e intransferível. No entanto, há muitas décadas taxistas compram e vendem alvarás por muito dinheiro e a prefeitura termina por reconhecer a transferência. Os motoristas têm razão ao defender a legalização do comércio da licença: quando se aposentam, a venda do alvará funciona como pecúlio.
Outra irregularidade recorrente é que o motorista que tem ponto fixo só pode atender clientes que chegam ao ponto ou ligam para o telefone instalado no local. Desde a popularização dos celulares, no entanto, atendem chamados pessoais. E agora, com os aplicativos de smartphone, os usuários que procuram pontos de táxi notam que eles estão mais vazios.
Um outro tipo de transporte de interesse público em automóveis particulares é a carona, gratuita ou que envolve uma pequena compensação. Mas quem topa oferecer ou viajar de favor na cidade está desamparado, falta um "marco regulatório". Trata-se de um imenso potencial para melhorar o trânsito e reduzir a pressão sobre os transportes públicos. Faça um cálculo: há cerca de 5 milhões de carros na cidade, a maioria rodando com 3 assentos vazios http://migre.me/lRvMj. São 15 milhões de vagas para passageiros potenciais. Mas como a legislação não prevê o serviço, não há uma prescrição de como fazer a divisão de custos (ou mesmo remuneração) de quem pega a quem dá a carona.
Alguns anos atrás, o autor desse cálculo, o empresário Marcio Nigro, criou o Caronetas, site que organiza caronas entre pessoas cadastradas através do RH de empresas. Além de aumentar a percepção de segurança, ao levar alguém, o dono do carro deveria receber algo para compensar os gastos. Para não ser confundido com um sistema de táxis, o Caronetas criou um bônus em pontos, como nos prêmios dos programas de milhagem. Assim, não se tornou alvo dos taxistas, como acontece com o Uber.
Já o Uber está sob ataque da prefeitura desde o início de setembro. Ele oferece uma opção a mais para os usuários de táxi, especialmente os que querem mais conforto, mesmo que a custo maior. No entanto, mexe com um sistema que, apesar dos defeitos, funciona bem.
Com tantas coisas pondo em questão aspectos do sistema de transporte de passageiros em carros particulares, o poder público não pode apenas reprimir uma novidade e deixar todo o resto como está.
Os setores envolvidos, sob a liderança do poder público, precisam repensar todo o sistema. Chega de dar murro em ponta de faca com a mão do cidadão.
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