Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.
Feliz ano bário
56 é o número do bário na tabela periódica dos elementos químicos. Com símbolo Ba, ele é ao mesmo tempo tóxico e macio, prateado mas alcalino terroso. Ele sempre se esconde em meio ao mineral chamado Barita, que lhe serve de encosto; paradoxalmente, isso não se dá por timidez ou fenômeno químico semelhante mas exatamente por ser muito reativo. É usado em tintas e vidro e também em fogos de artifício.
Nascido mais ou menos ao centro do espectro dos átomos, o bário oscila, portanto, entre a grande exposição e a discrição absoluta, em diferentes momentos de sua vida.
Passei o dia de meu aniversário lendo o mais recente livro de Oliver Sacks, "Gratidão" (Companhia das Letras), uma reunião de quatro ensaios curtos sobre vida e morte que o neurocientista escreveu depois de descobrir que tinha um câncer no fígado que iria matá-lo em pouco tempo.
Ao longo do pequeno volume recém-lançado, o autor faz várias referências à associação das idades das pessoas com os elementos da tabela periódica que aprendemos em química e que ele conta ter sido uma das paixões de sua vida toda. Assim, ele comenta que ao fazer 80 anos recebeu um frasco com mercúrio (cujo símbolo é Hg e recebe exatamente o número 80 na tabela que ganhou do russo Dimitri Mendeleiev sua forma atual).
No livro, Sacks se entristece ao perceber que não terá tempo para chegar aos 84 (Polônio, Po). Diante da doença, nem menciona o Férmio (100, com símbolo Fm), menos ainda o Livermório (Lv), que, com número atômico 116, era o último elemento conhecido quando escreveu esses textos.
A tabela periódica mistura mitos, geografia e nomes de cientistas para dar nomes aos átomos, como a astronomia e astrologia. Segundo esta doutrina mágica, aos 56, ao chegar a Bário, verei o planeta Saturno passar pela oitava vez na posição em que estava quando nasci. Os astrólogos comparam esse planeta à Lua (um dia lunar corresponde a um ano de Saturno), de forma que a quatro "luas" completa-se um ciclo e tudo se reinicia.
Assim, aos 28 anos, a pessoa realiza um ciclo de Saturno e começa a viver novamente as fases anteriores da vida, agora sob outros contextos, numa outra "oitava", como se pode dizer usando como paralelo as notas musicais (do Dó ao Si, completa-se uma oitava, em seguida vem novamente um Dó, que será no entanto mais agudo, nunca mais será exatamente igual).
Ainda segundo essa visão cheia de metáforas míticas, dos 28 aos 35 anos, repassei a infância e a vida pré-escolar; dos 35 aos 42, tive que enfrentar a pré-adolescência e sua solidão; dos 42 aos 49, reiniciei a vida profissional e encontrei uma segunda maturidade. E desde os 49, estaria vivendo uma fase, que perdura até os 63, que dizem ser dedicada à "devolução", quando as pessoas maduras devolvem ao mundo e especialmente aos mais jovens algo do que receberam; não é por outra razão que ficam tão felizes diante do surgimento de netos assim como abraçam com afinco atividades de ensino.
É triste que uma descoberta tão importante como a de quatro novos átomos , que completam a sétima linha da tabela periódica dos elementos químicos, tenha sido anunciada agora, pouco depois da morte de Oliver Sacks, amante da química, sem que ele tenha sabido do avanço. Especialmente pelo fato de que agora, com as pessoas vivendo mais, novos átomos, até 118, vão permitir que os homens mais longevos possam ter um átomo para comemorar em seu aniversário. Para mim, até o momento, basta um feliz ano Bário. E para você?
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