Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. É autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
Um país, duas moedas
Até 1993, quem fosse surpreendido em Cuba com dólares em seu poder estaria cometendo um delito: porte de divisas.
Mas, em meio à crise profunda que a ilha viveu naqueles tempos posteriores ao desaparecimento da União Soviética e suas subvenções, o governo optou por aceitar algo que então era um mal, se não menor, pelo menos inevitável: permitir a livre circulação de divisas e abrir lojas e serviços em que os cubanos pudessem comprar produtos (quase sempre de qualidade melhor e que, é claro, eram escassos) nas chamadas "moedas fortes", especialmente o dólar americano.
Essa estratégia foi chamada de "arrecadação de divisas".
A solução de emergência foi ratificada pouco depois, quando o Estado criou uma nova moeda, o peso conversível (CUC), com valor igual ao dólar e capacidade também igual: comprar em mercados abastecidos.
A entrada do dólar e seu equivalente, o CUC, na economia e na vida cubanas ajudou, em muitos sentidos, a reduzir as tensões naqueles anos de crise dura. Quem conseguia dólares (por meios legais ou não, recebidos de seus familiares no exterior) melhorava sua condição de vida, ao mesmo tempo em que desaparecia o problema social e legal do porte de divisas. Ao mesmo tempo, porém, a circulação monetária dupla começou a deformar as relações mercantis da macroeconomia e da economia doméstica do país. Porque, enquanto os salários eram pagos nos desvalorizados pesos cubanos, a vida e a economia se desenvolviam nas moedas conversíveis.
Em 2004, o dólar deixou de circular no país como moeda corrente, e seu papel passou a ser exercido pelo CUC, que modificou sua taxa de câmbio de um por um, introduzindo, em sua transmutação, um imposto de 10% em favor do CUC. Mas o problema da moeda dupla continuou igual.
Entre as mudanças empreendidas pelo governo de Raúl Castro, um dos maiores esforços é a unificação monetária que permita superar a deformação financeira em que vivem empresas e cidadãos da ilha.
Num país onde as pessoas recebem seus salários em pesos, os preços dos produtos foram definidos pelo CUC, com o consequente encarecimento da vida. Ao nível das empresas estatais as complicações financeiras são ainda mais graves, pois as empresas precisam operar com duas moedas de valor muito diferente e, em ambos os casos, sem respaldo cambial fora do país.
Talvez a próxima grande medida do governo cubano seja o início da eliminação da moeda dupla, com uma desvalorização do peso que o aproxime do CUC (hoje o câmbio é de 24x1), sem que este desapareça de repente.
Esse instante anunciado, mas ainda sem data certa, ganhou o nome de "a hora zero". Quando e como essa hora soará, nós, cubanos, não sabemos. Apenas pressentimos que será traumática, embora necessária para a normalização econômica de um país que –não apenas devido à existência de duas moedas, verdade seja dita– ainda não terminou de encontrar o caminho para sua decolagem econômica.
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