Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. É autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
Regras para redigir roteiros
Algumas semanas atrás, tive o privilégio de ter duas conversas com Doc Comparato, que estava em Havana para dar algumas palestras sobre como redigir um roteiro cinematográfico.
Para nós que alguma vez já tivemos a intenção de escrever roteiros para o cinema ou a televisão, os livros de Comparato sobre esse assunto são o que existe de mais próximo da Bíblia: neles podemos encontrar todas as respostas e verdades possíveis para uma arte na qual não existem respostas nem verdades absolutas.
Tão "bíblicos" são seus textos que, quando eu soube que ele queria me ver, me perguntei se não seria brincadeira ou milagre: para mim esse escritor e teórico era justamente algo como um profeta inalcançável, que tinha falado ao mundo desde uma altura mítica e distante. E agora, não é que Doc Comparato existia, comia e até tinha lido meus livros?
Poucas vezes um encontro com um profeta pode ser tão oportuno como foi o meu com esse brasileiro.
Porque Doc chegava à minha vida real justamente quando estava emaranhado na redação de quatro roteiros com os quais pretendemos encarnar no celuloide Mario Conde, o ex-policial e agora detetive por conta própria que protagoniza vários de meus romances.
Como esta empreitada de escritura é possivelmente a coisa mais complicada que já enfrentei na vida, eu tinha tido a ideia iluminada de compartilhar o esforço com minha mulher, Lucía López Coll, que adora escrever para o cinema e já tinha me acompanhado em outras aventuras nesse gênero terrível e magnético.
Para um escritor de romances, poucos ofícios literários costumam ser tão carcerários quanto a escrita para o cinema. E ela o é muito mais quando esse exercício é feito a partir de romances próprios, esses textos em que reina a palavra, a imaginação e, sobretudo, a liberdade. Onde o escritor é rei.
Já o roteiro de cinema é um trabalho de serviço. O escritor é peça-chave do processo, talvez a mais importante (sem roteiro dificilmente pode haver cinema), mas não é ele quem decide: os que realmente determinam a forma e as qualidades da obra são o diretor e os produtores, que, com suas visões próprias, obrigam o escritor a submeter suas inspirações a certas exigências, que vão do artístico ao econômico.
Talvez querendo ouvir soluções mágicas aos muitos problemas que estávamos encontrando na redação de nossos roteiros, Lucía e eu preparamos uma folha de perguntas que faríamos a Doc, em cuja sabedoria tínhamos depositado tantas esperanças.
E Doc, gentil e eficiente, foi capaz inclusive de nos dar algumas soluções, pelas quais o agradecemos, mas, sobretudo, nos presenteou com um conselho que seguimos ao pé da letra na continuação do trabalho e que, a meu ver, todos que se atrevam a escrever para o cinema deveriam conhecer.
Seu conselho é tão simples quanto fundamental: "A única regra para escrever um roteiro é saber que não há regras para escrevê-lo... sobretudo um bom roteiro". O resto é talento.
Tradução de CLARA ALLAIN
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