Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. É autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
O fim de uma geração
O recém-celebrado 7º Congresso do Partido Comunista de Cuba, o conclave que constitui o evento político mais importante do país, gerou muito menos possibilidades novas do que alguns poderiam ter esperado nestes tempos vistos como mudanças para a nação cubana.
Suas grandes mensagens foram a continuidade do status político existente, a cautela na tomada de decisões e o apoio a um processo de "modernização do modelo econômico e social cubano" que se realiza "sem pressa, mas sem pausas".
E a abertura de um compasso de espera para que sejam ampliadas e realizadas mais e novas modificações estruturais em um país cuja economia não para de crescer e que continua a precisar de um estímulo que permita a uma parcela grande de seus cidadãos sair do estado de tensão econômica em que vive há mais de duas décadas, desde a queda do socialismo europeu.
Por isso, possivelmente a mais importante notícia deixada pelo congresso foi a confirmação de que a chamada "geração histórica da Revolução", agora encabeçada por Raúl Castro, presidia pela última vez esse tipo de encontro político, do qual devem sair as grandes decisões, haja visto que o PCC é o órgão que rege a vida política, social e econômica cubana, posto que seus dirigentes são, ao mesmo tempo, os mandatários dos organismos centrais do Estado e do governo.
Desde o pódio dos discursos, Raúl Castro repetiu em vários momentos que ele e seus companheiros de geração encerravam neste ciclo sua função à frente do organismo político. Ele lembrou que seu papel de dirigente máximo (presidente do Conselho de Estado e de Ministros) também se concluirá em 2018 e falou de uma troca de guarda imposta pelo tempo e pela biologia.
Desse modo, advertiu sobre o fim de uma era e deixou o terreno aberto a especulações: quem serão os sucessores desses homens que durante quase seis décadas regeram os destinos de um país em que o Partido, o Estado e o governo se concentraram nas mesmas mãos e em que essa trindade chegou a ser identificada com a nação e até com a pátria? Só nos resta esperar, solução que os cubanos conhecem muito bem.
Duas semanas depois, porém, a notícia que mais abalou a sociedade da ilha foi a renúncia do cardeal Jaime Ortega Alamino de suas funções como arcebispo da diocese de Havana. Ele foi a cabeça visível e pensante da Igreja Católica cubana nas últimas três décadas, e sua aposentadoria foi adiada pelo Vaticano quatro anos atrás, quando ele chegou aos 75 e, pelas políticas eclesiásticas, deveria ter se aposentado.
Ortega deixa o cargo antes de os dirigentes políticos fazerem o mesmo. E isso pode ser lido como o começo do fim de uma época e uma geração, não apenas para a Igreja Católica cubana, mas também para o país, pois à frente da instituição o cardeal foi protagonista de vários dos acontecimentos importantes.
Não há dúvida de que o legado e o trabalho eclesiástico e social de Ortega terão diversas leituras. Seus detratores o viram como um homem que se dobrou diante do poder político do país, incapaz de enfrentá-lo. Para seus defensores, ele resgatou espaços importantes para a instituição religiosa e mediou junto ao governo em vários processos importantes. Mas os mais objetivos falam dele como um pragmático que explorou suas possibilidades reais e conseguiu benefícios concretos para a Igreja e a sociedade cubanas.
O mandato religioso de Ortega inclui momentos de clímax que ninguém pode negar. Com ele à dianteira da Igreja cubana, aconteceram as visitas dos três últimos papas, o que muitos consideram ser uma política vaticana de total apoio à gestão de seu cardeal cubano.
Foi com a intervenção do arcebispo que se realizou em 2010 a libertação de mais de 50 presos políticos que cumpriam penas longas. Ocorreu durante seu mandato o aumento da visibilidade e da participação social da Igreja, com marcos como a recuperação das procissões, a passagem da Virgem padroeira de Cuba por todo o país e a proliferação de diversas publicações periódicas capazes de transmitir outros pontos de vista em uma nação de imprensa única, regida por um partido único.
Ortega também foi um fator essencial na aproximação entre os governos de Washington e Havana que terminaria com uma troca de prisioneiros, o anúncio de conversações bem-sucedidas para o restabelecimento das relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos e até com a visita de Barack Obama a Cuba –que, a contragosto, iniciou seu périplo em Havana com uma ida à catedral, onde o aguardava seu já conhecido Ortega, homem-chave na história recente de Cuba.
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