É editora de 'Mundo' e foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington. Escreve às sextas sobre séries de TV.
Com amor entre irmãos, Neil LaBute faz comédia romântica
A comédia romântica costuma ser um gênero talhado para agradar, carregado de clichês, saídas fáceis e pouco, muito pouco, de ideias originais. Não que isso seja sempre ruim. Se a química entre o par central é certeira e os diálogos são bem escritos, é difícil o espectador não se deixar seduzir.
Exceto, claro, os cínicos.
Cena da série 'Billy & Billie'
É para eles que Neil LaBute, roteirista e diretor do agoniante "Na Companhia dos Homens", um dos muitos pequenos clássicos que os anos 1990 produziram, escreveu "Billy & Billie", produzida pela DirecTV e exibida nos Estados Unidos de março a maio deste ano.
Para ver no Brasil, é preciso comprar pela loja do iTunes americana (um gaiato colocou os dez episódio de 25 minutos no YouTube).
LaBute, um nativo de Detroit de 52 anos que já se converteu ao mormonismo e depois abandonou essa fé, é um provocador contumaz para quem o adjetivo "cínico" não passa de paliativo.
Textos a seu respeito costumam lembrar espectadores de suas peças clamando por sua morte e descrevem detalhadamente seu interesse pelo que há de mais mesquinho nas pessoas.
PEQUENAS NEUROSES
Surpreende, portanto, que ele acerte a mão em sua primeira incursão televisiva pelo gênero (sua segunda em séries; a primeira é "Full Circle" de 2013). Mas é claro que "Billy & Billie" não se trata de uma comédia romântica qualquer.
O casal em questão, interpretado por Adam Brody (de "O.C.") e Lisa Joyce ("Boardwalk Empire") é também um casal de irmãos de criação.
Não há incesto em questão –o pai dele e a mãe dela se casaram quando os dois eram adolescentes–, mas a dúvida moral é trazida à tona toda hora.
É algo pequeno na escala Neil LaBute de niilismo. "Billy & Billie", afinal, é uma delícia de assistir, mesmo que vez por outra o espectador se questione se é doentio em gostar daquele casal ou torcer por ele.
Uma explicação é que a química entre Brody e Joyce é incrível, e ambos são absurdamente sedutores. Brody é um bom ator, que já merecia mais do que papeis pequenos em filmes de aventura ou heróis adolescentes. Joyce é ainda melhor. Os diálogos perfeitamente escritos da série só evidenciam isso.
A outra razão é a forma como LaBute costura sua história, ou os fiapos dela, já que o foco recai muito mais sobre os personagens do que sobre a ação.
"Billy & Billie" não trata apenas do relacionamento entre os dois, trata de relacionamentos de todo o tipo: relações de trabalho; relações familiares; relações de prestação de serviço; amizades e, sim, relações entre irmãos. Todos a ponto de explodir.
Das pequenas neuroses cotidianas, como o excesso de zelo com a comida, até questões mais soturnas, como alcoolismo, é tudo costurado com tamanha delicadeza que o incômodo tão comum em sua obra dá lugar a uma inédita empatia.
Mais do que niilista, Neil LaBute é um grande manipulador.
"Billy & Billie" está disponível no iTunes
Livraria da Folha
- Coleção "Cinema Policial" reúne quatro filmes de grandes diretores
- Sociólogo discute transformações do século 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade