É jornalista e consultor na área de comunicação corporativa.
Depressão, luto e direito à vida
Todos os que se interessam de alguma maneira pela saúde mental estão de olho na divulgação da nova versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), mais conhecido como DSM 5, o livro-referência para a psiquiatria em todo o mundo.
Depois de uma década de discussões que envolveram mais de 1.500 especialistas de todo o mundo, o trabalho acaba de ser lançado. Para se ter uma ideia do que significa a divulgação desta versão revista e atualizada do DSM para o mundo da medicina, o website da entidade responsável pela sua propagação ficou parcialmente fora do ar durante todo o sábado/18, data da divulgação...
Das "novidades" trazidas pelo DSM 5, a destacar a mudança introduzida no quesito que diz respeito àquela que segundo a Organização Mundial da Saúde será em breve a doença mais comum do planeta: a depressão.
Conheço bem a versão do verbete que orienta o diagnóstico da doença contido no DSM 4 porque foi ele que meu médico utilizou para concluir que, sim, eu estava com depressão em 1998 - o inicio de uma longa jornada que perdurou pesadamente nos oito anos seguinte e que até hoje causa transtornos, ora maiores, ora menores.
Nunca é demais relembrar os sintomas contidos na chamada "bíblia da psiquiatria", que diz que o médico poderá concluir pelo diagnóstico da depressão se o paciente revelar pelo menos cinco dos seguintes transtornos:
1 - Humor deprimido a maior parte do dia e quase todos os dias.
2 - Perda de interesse ou satisfação em relação à maior parte das atividades, a maior parte do dia e quase todos os dias.
3 - Perda ou aumento significativos de peso (mais de 5% num mês) ou aumento ou perda do apetite quase todos os dias.
4 - Insônia ou excesso de sono quase todos os dias.
5 - Agitação ou lentidão motora - o que deve ser constatados por terceiros, não ser apenas uma impressão subjetiva do paciente.
6 - Fadiga ou perda de energia quase todos os dias.
7 - Falta de autoestima, sentimento de inadequação, sentimento de culpa quase todos os dias.
8 - Capacidade intelectual e concentração diminuída, indecisões e dúvidas todos os dias.
9 - Ruminações sobre a morte.
(No meu caso, em dados momentos enfrentei não apenas todos estes sintomas como também mais alguns, tipo pensamentos repetitivos insuportáveis, instabilidade na libido e crises frequentes de choro...)
O DSM 4 trazia, no entanto, um importante "porém" em relação aos sintomas da depressão, que era o seguinte: o médico deverá desconsiderá-los ou ao menos relativizá-los caso o paciente esteja de luto, ou seja, tenha perdido uma pessoa muito querida, porque esta morte seria, então, a causa dos transtornos.
Pois bem, a versão 5 do manual ignora este alerta, fazendo com que os sintomas sejam aferidos mesmo que haja morte próxima, porque concluiu-se que a) a depressão pode justamente ter sido detonada (e instalar-se...) por causa desta perda; b) escudando-se simplesmente no luto pode-se deixar de chegar a um diagnóstico correto e, assim, ajudar o paciente e enfrentar seus problemas.
Antes mesmo de ser divulgado, por este motivo relatado e por alguns outros, o DSM 5 tem recebido muitas críticas, sobretudo daqueles que enxergam no manual (e talvez na psiquiatria ocidental em geral) o passaporte para um excesso de medicalização.
Por este ponto de vista, a lógica seria a seguinte: se aumentam os sintomas para diagnósticos, aumentam as doenças, aumenta o número de doentes, aumenta o consumo de medicamentos.
Pode até ser, mas este tipo de argumento não deve ser utilizado para justificar posições como as que garantem que tristeza e melancolia, por exemplo, são meramente "coisas da vida".
Isso me foi dito várias vezes e por gente variada, inclusive da família próxima, para exigir de mim "ânimo, força e disposição" para "sair desta, reagir", quando na verdade o que eu mais precisava de fato eram antidepressivos de última geração, terapia e compreensão...
No caso dos antidepressivos, eles são, sim, medicamentos que podem trazer efeitos colaterais péssimos.
Mas isso não justifica permanecer no limbo que a depressão proporciona na maioria dos casos.
Portanto, nada contra a exclusão do luto no diagnóstico.
Porque, se for luto mesmo, como já definiu Freud lá atrás em seu estudo comparativo deste estado emocional com a melancolia, vai passar.
Se for depressão, há que se tratar seriamente.
*
Metendo rapidamente a colher no caso Angelina Jolie, que divulgou ter extraído os seios para evitar o bem possível aparecimento de um câncer. Ok, ela pode ter sido desastrada na maneira como tratou publicamente a questão. Mas para os homens que viram ali apenas uma atitude marqueteira e leviana, pergunto: você extrairia os testículos para dar um up-grade na sua carreira?
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