É jornalista e consultor na área de comunicação corporativa.
Flores do amor e da depressão
Está em cartaz e deve ser visto o filme "Flores Raras", que reconstitui com a devida liberdade poética o relacionamento entre a americana Elizabeth Bishop (Miranda Otto) e a brasileira Lota de Macedo Soares (Glória Pires).
O filme merece ser assistido por ao menos dois bons motivos, além do fato de ser tecnicamente elogiável --embora muitas vezes ceda a apelos melodramáticos comuns à obra do diretor Bruno Barreto.
Mas os dois motivos são:
1 - O filme mostra de maneira delicada, respeitosa e realista o amor entre mulheres numa época (anos 50/60) em que para muitos "gente deste tipo" deveria ir direto para a fogueira.
Não que hoje seja muito diferente para parcela expressiva da população. Porém é justamente por passar ao largo das possíveis e sempre polarizadas discussões sobre a orientação sexual das protagonistas --preferindo problematizar outros aspectos sociais, como o alcoolismo da poeta Elizabeth Bishop, por exemplo-- que o filme contribui para desanuviar este ambiente tão carregado de preconceitos e opiniões explosivas.
Não há juízo de valor nem posicionamentos pró ou contra o fato de serem mulheres os agentes daquela relação amorosa. Conta-se uma história de carinhos, afetos, ciúmes, carências, conquistas e perdas.
O gênero é até mesmo secundário, o que empresta, para quem precisa disso, uma "normalidade" às relações que tornam qualquer tipo de preconceito totalmente idiossincrático. Donde se poderá perguntar: e daí que sejam mulheres ou homens, posto que é a vida de pessoas?
2 - A dada altura do filme, pressionada por perdas como o seu amor (Bishop) e sua obra (a construção do parque do Aterro do Flamengo, no Rio), a arquiteta Lota de Macedo Soares afunda em um quadro depressivo clássico, à época agravado pela ausência de medicamentos eficazes como os que hoje são disponíveis.
Sua derrocada salta na tela e comove, posto que uma mulher excepcionalmente ativa, forte, líder, empreendedora, amante da vida e das pessoas sucumbe à melancolia e à falta de perspectiva.
Seu quadro desolador e comovente exemplifica, para aqueles que tendem a minimizar o sofrimento de quem se deprime, a desgraça que se abate sobre a vida de quem tem sua química cerebral alterada e não consegue se levantar.
Trata-se, portanto, de um filme bonito e caprichoso na reconstituição de uma época interessante da história do Brasil, que resgata personagens ricos e cheios de nuances, trazendo à observação, além do mais, dois temas que nunca perdem a contemporaneidade.
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