É jornalista e consultor na área de comunicação corporativa.
Donadon e o dr. cubano
Dois assuntos que não podem passar em branco de jeito nenhum, mesmo correndo o risco de encher a paciência do leitor: a vaia aos médicos cubanos e a absolvição na Câmara do tal Natan Donadon.
Ambos os temas deram o que falar, predominaram nas redes sociais, e vou a ambos, correndo o risco assumido de desagradar a gregos e troianos, ou petistas e tucanos --cujos radicais hoje se equivalem.
Primeiro Donadon: fiquei muito ressabiado com a reação de internautas ao corporativismo da Câmara. Xingamento, indignação, apoplexia e apupos: corja, bando, bandidos, vergonha para a nação e por aí foi. Como se aquela escumalha que o absolveu estivesse ali em Brasília por obra do acaso, conta divina ou seleção natural.
Não, eles foram eleitos. E-lei-tos, muitos provavelmente por estes mesmos que agora se indignavam virtualmente; estão lá escolhidos por e representando o povo.
Sabe, nós, o povo? Pois é...
Por isso lancei o desafio na rede: você está indignado? Liga pro deputado em quem votou na última eleição e reclama, xinga, cobra, ameaça não votar mais, fazer campanha contra.
Ah, não se lembra em quem votou?
Sei...
Muito mal comparando, eu tenho um amigo que vivia reclamando do prédio onde mora: o porteiro é um mala, a garagem está sempre suja, o zelador é vagabundo, o elevador só quebra...
- E por que você não vai na reunião de condomínio exigir mudanças?
- Ah, eu não, é muito chato...
É isso aí, a maioria das pessoas acha que escolher um representante --do síndico, do vereador ao senador, ao presidente da República-- é um ato que se encerra em si: bota o nome lá e esquece. Acompanhar, checar, cobrar, reclamar pontualmente de suas ações, deixa pra lá, é muito chato.
Então vamos combinar o seguinte: ou se leva a sério eleição, candidato, voto, partido, mandato e representatividade ou então ninguém venha entupir o Facebook de mimimi, ok?
*
Eu gostaria de pedir desculpas ao doutor Juan Delgado.
Mil desculpas.
Tomo esta iniciativa, creio que representando muitos brasileiros, para ver se consigo aplacar um pouco a vergonha que senti e ainda sinto de ver aquela foto do médico cubano sendo recebido no aeroporto de Fortaleza: cercado, vaiado, hostilizado.
Peço desculpas basicamente por dois motivos.
Primeiro porque já estive em Cuba e fui muitíssimo bem recebido pelo povo de lá, embora cumprisse papel nada simpático aos cubanos, que era o de investigar jornalisticamente a doença de Fidel Castro que então se prenunciava e que erroneamente julgava-se que o mataria em pouco tempo --ledo engano, como se sabe, e lá se vão 15 anos.
Mesmo aqueles muitos cubanos com quem tomei contato que admiravam e apoiavam Castro e souberam do motivo da minha viagem não me hostilizaram, não tentaram impedir meu trabalho, tampouco me taxaram de escravo da mídia burguesa colonizada imperialista a mando dos EUA, ou coisa que o valha.
Nada disso, fui sempre tratado com civilidade hospitaleira e respeito, em diversos casos com carinho mesmo.
A bem da verdade, nem mesmo as autoridades socialistas da ilha criaram um obstáculo sequer para que eu fizesse meu trabalho, circulasse por onde quisesse e observasse de perto governo e governantes, inclusive me fornecendo autorização para assistir a atos oficiais, como a abertura da Assembleia do Partido Comunista Cubano daquele ano de 1998 --na qual, aliás, o "doente" Fidel falou ininterruptamente por mais de duas horas.
Entrevistei os cidadãos que quis, como em qualquer outro país tudo pude observar e escrevi sobre aquilo que julguei relevante. Falei de tudo de bom e ruim que vi, da falta de liberdade de imprensa e da falta de gêneros à ausência de miséria e de gente desassistida em sua saúde e educação, os prós e contras que constatei.
Há que se desculpar também pela ignorância dos médicos em particular e dos brasileiros em geral que criticam abundantemente os profissionais cubanos sem ter um mínimo de informação para isso.
Como lembrou muito bem o jornalista Roberto Pontual na GloboNews esta semana, o sistema de saúde de Cuba é único, respeitado em todo o mundo, apesar dos pesares de um país comunista pobre e isolado, inclusive por causa suas idiossincrasias bem como das idiossincrasia de outros, como os EUA.
Para a Organização Mundial de Saúde, tal sistema, desenvolvido há décadas e calcado num modelo preventivo de medicina comunitária, é exemplar, uma referência a ser seguida, imitada, replicada.
Quem fala de fraude, de "estoque de médicos", de "escravos", só revela ignorância e preconceito, senão má fé.
Desde há muito Cuba forma muito mais médicos do que precisa (tem muito mais desses especialistas por cidadão do que os EUA, por exemplo) e participa permanentemente de programas de intercâmbio, por meio dos quais presta ajuda humanitária - como no caso do Haiti ou de países da África - ou cobra por estes serviços, remunerando seus médicos e sustentando a estrutura para formá-los e mantê-los.
É assim há anos e muita gente que hoje critica este programa por questões meramente políticas erra deliberadamente o foco e/ou manifesta compreensão limítrofe da realidade.
O ponto é: estes médicos vão trabalhar onde aquelas patricinhas de branco que vaiaram o cubano em Fortaleza não ousam sujar os pezinhos.
Não vão aos rincões sem cobertura dos planos de saúde, mas vergonhosamente encontram tempo para ir a um aeroporto distante para nos envergonhar e vaiar um colega de profissão.
Ora, os médicos que conheço, médicos-médicos, se me entendem, estes mal têm tempo de comer para poder se desdobrar e dar conta das exigências de sua profissão, que demanda estudo permanente e trabalho árduo.
Como disse um amigo, um país em que se vaiam médicos que vão cuidar de pobres sempre elegerá os donadons e seus iguais.
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