É jornalista e consultor na área de comunicação corporativa.
"Máfia de branco" e 'black blocs'
Entro no consultório do médico pontualmente na hora marcada, às 14h. Médico super recomendado, cheio de presença no Google, vive dando entrevista, livro publicado e tal.
Consulta cara, bem cara, nadica de nada de plano de saúde --que aliás também é caro, bem caro...
Passam-se 15 minutos, 20, a recepcionista, sai, retorna, volta a sair, eu ali quietinho, assim como a outra moça que se encontra na sala de espera, ambos tentando nos distrair com os respectivos smartphones.
Mais 10 minutos e nada.
Quando a recepcionista retorna outra vez, o ponteiro do relógio na parede se aproxima das 14h45.
Pergunto:
- Oi, será que eu errei de horário? Pensei que minha consulta estava marcada para as 14h. É as 15h, é?
- Não, senhor. Sua consulta é mesmo 14h.
- Mas já são 15 para as três da tarde e você não me chamou...
- É que o doutor está um pouquinho atrasado...
- Um pouquinho quanto? A que horas ele vai me atender?
A moça que também esperava levanta a cabeça do seu celular e com o sorriso irônico nos lábios me diz:
- Eu sou a paciente das 13h30...
Voltando para a recepcionista, eu pergunto:
- Mas afinal, quanto tempo mais eu vou ter que esperar?
- Uma hora e meia pelo menos...
Eu ia perguntar se seria uma hora e meia a partir do meu horário, 14h, ou uma hora e meia a partir daquele momento, 14h45, o que significaria uma espera de uma hora e meia mesmo ou de duas horas e 15 minutos.
Mas desisti de dizer isso, fuzilei a moça com o olhar e mandei:
- Você é a Marília, certo?
- Sim.
- Foi você que me acordou ontem as 8h da manhã, ligando no meu celular, para confirmar meu comparecimento à consulta hoje, certo?
- Certo.
- E confirmou o horário, 14h, certo?
- Certo.
Ligou, deixou recado na secretária eletrônica, depois voltou a ligar, para garantir que eu não faltasse, certo?
- ...
- Então por que cargas d`água você não me ligou hoje, quando soube que a consulta ia atrasar mais de uma hora? Me deixou eu vir até aqui para dizer isso?
- Porque nós não trabalhamos desta maneira?
- Ah, não trabalhamos? E de que maneira "nós trabalhamos"? Desrespeitando o paciente, deixando-o esperar como se não tivesse mais nada para fazer da vida? É isso?
- Bem, hum, olha, humpft.
- Seguinte: isto é um tremendo desrespeito, um abuso. Como eu vou confiar minha saúde a um profissional que trata seus pacientes desta maneira?
Dito isso, já completada uma hora de espera, e mandando àquela parte a meia hora restante, abandonei o consultório luxuoso, para pegar o elevador não menos luxuoso e me dirigir ao estacionamento de R$ 20 a hora e ir embora pra casa.
Frustrado, arrependido, humilhado.
Desculpem o excesso de detalhes, mas que ponha o dedo aqui e ganha um picolé quem não tiver uma história dessas para contar, quem nunca ficou esperando, esperando sem receber, uma justificativa, um pedido de desculpas, um lamento sequer.
Basta conversar com amigos e conhecidos para saber de outras histórias de displicência, desrespeito e soberba por parte de "profissionais da saúde", aqueles que tempos atrás foram chamados de "máfia de branco", muitos dos quais se comportam como se fossem estrelas de TV, transmitindo a seus pobres pacientes a sensação de que estes deveriam dar graças a Deus por terem a sorte de ser atendidos por eles, semideuses.
Por favor, não me acusem de estar generalizando, não vou dar os parabéns aos médicos pontuais porque pontualidade não é mérito, é obrigação.
E mesmo porque esta não foi a primeira vez que me aconteceu isto.
Mas certamente será a última.
Comigo não, violão.
Depois perguntam porque os 'black blocs' são tão revoltados...
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