É jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.
Tradução de Drummond para clássico libertino ganha reedição
Junto com o mito de Dom Juan, as memórias de Casanova e a filosofa da alcova de Sade, "As Relações Perigosas" está no epicentro da literatura libertina. Porém, ao contrário dos autores que celebraram o conquistador espanhol (como o satírico Molière ou o licencioso Lorenzo da Ponte, libretista da ópera "Don Giovanni" de Mozart), do galante aventureiro veneziano ou do perverso marquês, seu autor era um marido exemplar, além de pacato burocrata do exército francês.
Pelo menos é essa a imagem deixada pelos registros da vida de Choderlos de Laclos (1741-1803), o autor de "As Relações Perigosas", cuja magnífica tradução por Carlos Drummond de Andrade acaba de ser relançada, com posfácio do poeta.
Divulgação | ||
Michelle Pfeiffer e John Malkovich no filme "Ligações Perigosas", baseado no livro de Laclos |
Obviamente, austeros pais de família podem ser capazes das mais lúbricas fantasias literárias. Mas, no caso de Laclos, o dado biográfico não é irrelevante, pois explica o caráter farsesco desse romance que pertence ao gênero epistolar.
Ao longo do livro, lemos 175 cartas trocadas pelos devassos Visconde de Valmont e Marquesa de Merteuil e por personagens que são ora vítimas, ora instrumentos de suas seduções e maquinações para ultrajar a casta presidente de Tourvel, a virgem Cécile Volanges e o imberbe Danceny.
Logo no início, todavia, uma "Advertência do Editor" e um "Prefácio do Redator" (ambos de autoria do próprio Laclos) afirmam que a obra constitui um manual para aqueles que desejam escapar das armadilhas do vício, chegando a duvidar da veracidade das cartas, que descrevem "tão maus costumes que é impossível supor que hajam vivido em nosso século".
Com isso, a farsa está armada. E, mesmo que não tenha sido um devasso, Laclos ilumina a filosofia libertina, expõe o avesso do "Século das Luzes": se a razão iluminista deveria emancipar o homem dos desvios morais, Valmont e Merteuil afirmam que os impulsos destrutivos são indissociáveis da natureza humana --só restando à razão calcular as sombrias delícias da depravação.
LIVRO
AS RELAÇÕES PERIGOSAS ****
AUTOR: Choderlos de Laclos
TRADUÇÃO: Carlos Drummond de Andrade
EDITORA: Biblioteca Azul/Globo
QUANTO: R$ 49,90 (520 págs.)
FILME
LIGAÇÕES PERIGOSAS ***
Os atores John Malcovitch e Glenn Close imprimem doentia devassidão à dupla de libertinos Valmont e Merteuil.
DIREÇÃO: Stephen Frears
DISTRIBUIDORA: Warner (1988, DVD, locação, Blu-ray, R$ 39,90)
LIVRO
OS 120 DIAS DE SODOMA ****
Com o subtítulo "A Escola da Libertinagem", quatro libertinos se recolhem num castelo e seguem com disciplina monástica seu destrutivo ritual de taras e perversões.
AUTOR: Sade
TRADUÇÃO: Alain François
EDITORA: Iluminuras (2008, 368 págs., R$ 53)
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FILME
ESTRANHOS NORMAIS **
Gabriele Salvatores (Europa Filmes, locação)
Comédia inspirada na peça "Seis Personagens à Procura de um Autor", de Pirandello, narra história do roteirista que decide fazer um "filme de autor" e passa a contracenar com suas criaturas, nas quais projeta frustrações e obsessões. Divertido e convencional, vale pela inversão do conflito de gerações (pais maconheiros e adolescentes casadouros).
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André Fossati/Divulgação | ||
Orquestra Filarmônica de Minas Gerais |
DISCO
FRANZ SCHUBERT: SINFONIA Nº 9 ****
Orquestra Filarmônica de Minas Gerais (Sonhos & Sons, R$ 28,50)
Apesar de só ter sido criada em 2008, a Filarmônica de Minas Gerais, capitaneada pelo regente Fabio Mechetti, vem desenvolvendo um dos mais sólidos projetos orquestrais do país (comparável ao da Osesp). O resultado pode ser ouvido na gravação dessa monumental sinfonia romântica de Schubert, não por acaso conhecida como "A Grande".
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LIVRO
COISAS E ANJOS DE RILKE ****
Augusto de Campos (Perspectiva, 368 págs., R$ 80)
A nova edição dessa antologia de Rainer Maria Rilke (1875-1926) amplia para 130 o número de poemas traduzidos por Augusto de Campos. E se o poeta de língua alemã (nascido em Praga) é marcado pela tensão entre transcendência e catástrofe, essa seleção enfatiza seus textos mais objetivos e ásperos --ou "poemas-coisa", como prefere o poeta concreto brasileiro.
Livraria da Folha
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