É jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.
Historiador britânico mostra formação de civilizações mediterrâneas
"Nosso Mar" no Império Romano, "Grande Verde" para os egípcios, "Mar Branco" para os turcos, "Mar do Meio" para os alemães. O Mediterrâneo —esse mar "entre as terras" (segundo sua etimologia latina)— é o tema do historiador David Abulafia num livro absolutamente fascinante. Britânico de origem sefaradita, ele elegeu como título "O Grande Mar" —forma pela qual os judeus se referiam ao berço da civilização ocidental.
O estudo dialoga com um dos monumentos da historiografia do século 20: "O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Era de Filipe 2º", de Fernand Braudel, que definiu o mar que banha Europa, África, Oriente Médio e parte da Ásia como "continente líquido".
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Ilustração do livro mostra frota bizantina em Ravena, Itália, no século 6 |
Onde Braudel vê a "longa duração" de hábitos e instituições atravessadas por condições materiais (desde o clima até o trabalho), Abulafia enxerga mutações mais liquefeitas. Seu foco são intercâmbios, migrações, encontros entre diferentes povos que se modificam reciprocamente.
Por essa razão, comunidades de pescadores (que procuram o que está debaixo d'água) são menos importantes que comerciantes, navegadores e piratas que singravam a superfície mediterrânea. E, também por isso, a pequena e dinâmica ilha de Malta ganha relevo muito maior, por exemplo, do que a Córsega, sempre de costas às terras continentais.
De fenícios e etruscos a hititas e sarracenos, Abulafia vê na Sicília a pura expressão desse cruzamento civilizatório, mas sem qualquer traço de idealização. Assim, a forma como muçulmanos e bizantinos enclausuravam mercadores genoveses e venezianos em hospedarias (para evitar contaminação religiosa ou subversão política), promovendo "pogroms antilatinos", contrasta com o mito de que a Europa sob ocupação moura era um eldorado de tolerância —além de mostrar que o confinamento em guetos não foi prerrogativa dos judeus.
Explicar esse movimento, em que a xenofobia produziu laços de solidariedade inter-étnica, é um dos feitos desse livro que chega até nossos dias para abordar tanto os refugiados africanos que aportam em Lampedusa quanto a moda da dieta e dos "resorts" mediterrâneos. Como sintetizou o título de uma resenha publicada no jornal "El País", Abulafia vai "de Troia ao topless".
O GRANDE MAR - UMA HISTÓRIA HUMANA DO MEDITERRÂNEO * * * *
AUTOR: David Abulafia
TRADUÇÃO: Cássio de Arantes Leite
EDITORA: Objetiva (736 págs.; R$ 69,90)
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CONEXÕES
LIVROS
RAÍZES ERRANTES * * * *
Ensaios do filósofo e psiquiatra italiano abordam arquétipos literários e culturais da civilização mediterrânea.
AUTOR: Mauro Maldonato
TRADUÇÃO: Roberta Barni
EDITORA: Sesc (2014, 168 págs., R$ 40)
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O HOMEM REVOLTADO * * * *
Tratado político do escritor francês busca nas noções mediterrâneas de limite e equilíbrio as fontes de uma ética libertária.
AUTOR: Albert Camus
TRADUÇÃO: Valerie Rumjanek
EDITORA: Record (1996, 352 págs., R$ 55)
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DISCO
AMÁLGAMA * * *
Duo Nazario (Utopia Studio, R$ 22)
Os irmãos Nazario criaram, em 1989, um duo nada convencional, com Lelo nos teclados e Zé Eduardo na bateria. Em 11 composições, improvisos de pulsação ora jazzística, ora afrobrasileira, derivam para pesquisas de timbres eletrônicos e percussivos. Como resultado, paisagens sonoras em que se amalgamam o suíngue e o experimentalismo.
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LIVRO
POESIA COMPLETA DE RAUL BOPP * * * *
Org. de Augusto Massi (José Olympio, 392 págs., R$ 45)
Essa reedição da poesia completa do modernista gaúcho acrescenta alguns inéditos à edição original, de 1998. Obra de referência, inclui prefácio do organizador e fortuna crítica em que Sérgio Buarque de Holanda e Antônio Hohlfeldt iluminam a modernidade de suas apropriações etnográficas.
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FILME
TREM NOTURNO PARA LISBOA * *
Bille August (Europa, R$ 29,90)
Jeromy Irons é o professor suíço que, após salvar uma suicida com quem encontra o livro de memórias de um médico português e uma passagem para Lisboa, segue esse destino. Ali, entra em contato com uma história de resistência ao salazarismo que, contada em "flash back", só engrena na segunda metade, apesar do elenco de primeira.
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