É membro do Conselho Editorial da Folha. É autor de romances e de coletâneas de ensaios. Comenta assuntos variados. Escreve às quartas.
Falta de votos
Talvez exista algo de melancólico na longa discussão que tomou conta do Supremo Tribunal Federal, no começo da noite desta quinta (14).
Discutia-se, numa sessão marcada em cima da hora, em que ordem irão votar os deputados no domingo (17), quando decidirem o impeachment de Dilma Rousseff.
Tratava-se de um pedido do PC do B, argumentando que o sistema de votação adotado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), seria capaz de influenciar o resultado. O melancólico da discussão era o seu pressuposto. A saber, o de que deputados podem não votar segundo o que pensam sobre o impeachment, mas sim conforme o espírito da manada.
O problema: se no começo da votação for muito grande o peso dos Estados do Sul e do Sudeste, em que a oposição é mais forte, o restante dos deputados terá a impressão de que o impeachment já ganhou. E os que estavam em dúvida terminarão apoiando a maioria que se forma.
O "julgamento" ficaria assim distorcido, argumentava o PC do B, uma vez que não se poderia garantir a "imparcialidade" dos deputados.
Sem dúvida, há meios de forçar esse efeito de imitação. Querendo o impeachment, Eduardo Cunha inicialmente determinou que a votação dos deputados seguisse a ordem das regiões do país. Um grande número de deputados do Sul seria comparado aos poucos deputados da região Norte; em seguida, os do Sudeste fariam a balança inclinar-se ainda mais pelo impeachment. O Nordeste, onde Dilma tem mais força, ficaria por último.
O próprio Eduardo Cunha mudou a interpretação, admitindo que a alternância se fizesse por Estados, e não por região. Ainda assim, o desequilíbrio pode acontecer, reclamava o PC do B.
Pois uma coisa é a bancada inteira de um Estado do Sul votar, sendo depois seguida pela de seu correspondente ao Norte. Outra coisa é um deputado do Sul votar, chegando então a vez do deputado do Norte. O resultado seria mais imprevisível.
Outra questão: o que é Norte, o que é Sul? O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, percebeu que a lista de Estados proposta pela Câmara complicava as coisas a partir do Paraná. Defendeu que se tomasse como critério a latitude de cada capital estadual.
O relator do caso, Marco Aurélio Mello, propunha um sistema ainda menos "estadualizado". Que cada deputado votasse pela ordem alfabética, sem geografia. Ninguém conseguiria prever tão facilmente o rumo do barco.
Teori Zavascki discordava da própria discussão: o efeito manada nunca será eliminado, disse. Se a votação é nominal, com um deputado depois do outro, uma maioria se forma. E aí, os outros poderão segui-la. Só se a votação fosse simultânea... e portanto secreta!
Na mesma linha, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia também se opuseram ao pedido do PC do B: era assunto interno da Câmara, e nenhuma inconstitucionalidade era visível no caso.
Chegava a hora de Gilmar Mendes. Como assegurar a "imparcialidade" da votação num caso desses? Estamos a considerar os parlamentares como entes infantilizados, que votam de acordo com o ritmo geral, bufava -e tinha razão, pelo menos do ponto de vista jurídico. É traduzir desapreço pelos próprios deputados.
Ele foi mais longe, com característica crueza: se o presidente não tem votos para vencer a questão do impeachment, não tem condições de ser presidente. É a isso que tudo se resume.
"Para jogador ruim, até as pernas atrapalham", lembrou Gilmar. Queria dizer que sempre haverá concentração de votos (e possível efeito manada), uma vez que a maioria de 2/3, necessária ao impeachment, pressupõe mais deputados do que os capazes de barrá-lo. Estão reclamando, resumiu Gilmar, é da falta de votos...
No final, apenas quatro ministros (Marco Aurélio, Luiz Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin e Ricardo Lewandowski) ficaram com a tese mais favorável a Dilma Rousseff.
Marco Aurélio dava um sorriso misterioso, como que sabendo o que aconteceria nos outros recursos que seriam apresentados naquela noite. A maioria estava formada, dizia ele, "quanto ao âmago" da questão.
Livraria da Folha
- Coleção "Cinema Policial" reúne quatro filmes de grandes diretores
- Sociólogo discute transformações do século 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade