É repórter especial da Folha, autor dos livros "Folha Explica Darwin" (Publifolha) e "Ciência - Use com Cuidado" (Unicamp). Foi ombudsman da Folha de 1994 a 1997 e atualmente escreve coluna no caderno "Ciência".
Manhas e manias
Pode-se dizer o que quiser dos parlamentares de Brasília, mas eles sabem das coisas. Vários caíram na risada, quarta-feira, quando o presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros, apontou a Folha como jornal contrário às reformas propostas pelo governo FHC. Mau sinal.
Por que riram? Poderiam só ter discordado. O riso, aqui, é indicativo de que Mendonça de Barros não cometeu um erro, disse uma bobagem.
Qualquer leitor de jornais sabe que estes concordam em tudo que é essencial no programa de FHC. Foi o que disse na minha primeira coluna, em 2 de outubro de 1994 ("Pobre imprensa"), e repeti no último dia de 1995 ("Os sete pecados capitais"). Continuo achando que a imprensa brasileira é fernando-henriquista.
Por outro lado, abundam as manchetes negativas, do massacre de Eldorado para cá. Da subitamente descoberta omissão na área social à venda da Light para uma estatal francesa, tudo é motivo para dar pau no Planalto. Até a Rede Globo decidiu lembrar no "Jornal Nacional" que a mão do candidato FHC tinha cinco dedos.
Juros e câmbio
O paradoxo é aparente. Não há rompimento à vista entre FHC e o chamado "establishment". É na impaciência com os rigores da contenção da atividade econômica ou com a defasagem cambial que se devem procurar as raízes adventícias de tanta combatividade empresarial. Basta ver o caráter de campanha que a insistência na questão dos juros adquiriu nos jornais.
Insistência não quer dizer capacidade de esclarecer. Com relação ao fato mais importante da semana sai Serra, entra Kandir, os jornais ofereceram um espetáculo de confusão.
A Folha chegou a publicar na mesma edição (30/5) textos com interpretações opostas. Para um, Antonio Kandir é contra juros altos e vai bater de frente com Pedro Malan. Para outro, o ministro da Fazenda ganha um aliado. O leitor que se vire.
A imprensa parece menos interessada em desvendar o governo FHC do que em influenciá-lo. Se possível, acuá-lo com essa contrafação da soberania popular que são as pesquisas de popularidade. Para tanto, pode ser útil fazer alarido só com o acessório, mantendo inquestionado o essencial.
Acessório é, por exemplo, gastar tinta colorida ou não com o saco preto de não sei quem. Ou ainda, tratar como questão de Estado picuinhas como o tamanho da comitiva ou a inclusão nela dos netos do presidente.
Não se trata de dizer que nada disso é notícia, mas de notar que elas ocupam o lugar de coisas mais relevantes, que os jornais não querem ou não conseguem mostrar.
Implicância com o MEC
Com frequência, esse superficialismo crítico assume a forma de viés implicante, quase um mau humor. Vou dar um exemplo recente, que nem é tão importante, mas representativo de uma queixa comum em meio a entrevistados pela Folha.
Dia 24, o jornal publicou na pág. 3-4 da edição São Paulo/DF a reportagem "MEC não vai recolher livros reprovados". Na pág. 3-3 da edição Nacional, concluída 1h30min mais cedo, a mesma reportagem tinha outro título: "MEC se recusa a divulgar lista de livros".
Procurado pelo ombudsman para opinar sobre a acuidade da reportagem, o ministro Paulo Renato Souza soltou os cachorros. Qualificou o trabalho como "inacreditável", pois exigia do ministério o impossível: "Não tenho o poder mágico de transformar livros que já foram escolhidos em junho de 95. São 110 milhões de livros. O dever do jornal é ser realista".
Paulo Renato tem motivos para estar com os nervos à flor da pele, nessa história dos erros em livros didáticos. Abriu uma caixa de Pandora e parece não saber o que fazer com ela. Não divulgou ainda a lista dos livros defeituosos, providência mais do que devida à opinião pública por ele mesmo alertada.
Dito isto, e posto entre parênteses, não é difícil ver que a reportagem, em particular na sua versão para paulistanos, pega no pé do ministro. No antepenúltimo parágrafo, justamente de onde saiu o segundo título, dizia:
"Apesar de ainda faltarem seis meses para o fim do ano letivo, o MEC afirma não ter como retirar de circulação os livros que foram distribuídos no ano passado."
Ao menos logicamente, está implícito aí que era possível, sim, fazer o recolhimento dos livros. Foi o que ponderei à Redação, depois de falar com Paulo Renato: "Se o jornal não tem argumento para contrapor ao ministro, neste aspecto, acho difícil de sustentar a crítica implícita no título" (o da edição SP/DF).
"Aspas literais"
As respostas que recebi da Redação foram evasivas. A repórter Daniela Falcão se escudou no mito da objetividade perfeita ("a fonte foi o próprio MEC"; "as aspas do ministro são literais"), como se jornalistas não tivessem intenções ao escrever e toda edição fosse inocente. Sobre a frase criticada, ofereceu lição de moral:
"Isso é um fato e o leitor merece saber. Não há motivos para esconder da população que os livros com problemas estão nas escolas e ficarão até o fim de 96. Tal informação pode até ajudar os professores no sentido de que fiquem mais atentos para detectar e corrigir eventuais falhas."
O editor Vaguinaldo Marinheiro seguiu o mesmo diapasão: "A matéria não é negativa nem positiva. É informativa, como deve ser". Disse mais: "Se não é possível recolher os livros com problemas, é muito possível confeccionar erratas e distribuí-las às escolas ou, mais barato ainda, publicar os nomes dos livros com problemas, quais os erros encontrados e a correção".
As explicações seriam boas se a reportagem tivesse falado de erratas ou orientação aos professores. Não falou. Falou de recolher livros. É um detalhe, mas justamente por isso a Redação poderia admitir que avançou o sinal, só para tornar a reportagem ainda mais crítica do que já era.
De um imperativo, a crítica vem sendo rebaixada à condição de mania, na Folha.
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