Marcos de Barros Lisboa, 52, é doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia. Foi secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005 e é Presidente do Insper.
Ierushalaim
Nasser Nasser/Associated Press | ||
Manifestante com bandeiras da Palestina em Ramallah, na Cisjordânia |
A dor de cabeça era imensa. O procurador da Judeia arrastava-se à espera de poder repousar. Ainda mais, havia o cheiro repugnante das rosas. O dia não seria bom. O ritual do representante imperial seguia em meio à saudade do seu cão e dos seus cômodos. A agenda começou com o interrogatório de um jovem da Galileia, que fora condenado pelo Sinédrio. As regras do império delegavam ao procurador confirmar a sentença.
Ieshua, o rapaz da Galileia, alegou inocência para o procurador. Jamais propôs a insurreição contra o império ou a destruição do templo. Não entrara na cidade na véspera da sua data mais sagrada em cima de um jumento com muitos seguidores. Também não se lembrava dos seus pais. A culpa era de Matheus Levi, que inicialmente o hostilizara; depois passara a adorá-lo, a segui-lo e a escrever inverdades a seu respeito.
Não existe gente ruim, dizia Ieshua, há pessoas infelizes que se tornaram cruéis e insensíveis por terem sido mutiladas pela boa gente. O jovem percebeu o sofrimento do interrogador e se compadeceu. Para surpresa do procurador, a dor de cabeça se esvaiu, despertando-lhe um incômodo afeto seguido por irritação; afinal, um prisioneiro não deveria ter empatia pelo seu algoz. A história termina como esperado. Um, na cruz; o outro, no limbo, atormentado pelo que deixara de dizer a Ieshua naquele dia. Esse é um sumário do Evangelho segundo Mikhail Bulgákov.
A Palestina era passagem dos comerciantes e moradia de semitas e beduínos. Tornou-se a terra sagrada de três religiões. São muitas as histórias comoventes dos filhos de Abraão, com registros de perda, de redenção e de momentos de convivência pacífica. Os mais velhos recordam regiões da Palestina em que judeus, cristãos e muçulmanos compartilhavam muitas cidades.
A história também registra as demasiadas vítimas em todos os grupos. A revolta dos judeus contra a ocupação de Roma resultou em muitas mortes e na destruição do Segundo Templo. Houve mártires cristãos, assim como outros tantos martirizados pelos cristãos. Os árabes foram conquistados e conquistadores seguidas vezes. E hoje há o drama dos palestinos em cidades muradas. Todos praticaram atos repugnantes de violência. A reconciliação não é simples, afinal, cada um lembra os seus mortos.
"O Mestre e Margarida", de Bulgákov, foi preservado, apesar de Stálin. Sobrevivem o Tanakh, muitos evangelhos e o Alcorão, apesar das ocupações, das cruzadas e dos atos de terrorismo.
Em uma lenda, um homem desejava a fama e por isso incendiou a biblioteca imperial. A punição foi ter o seu nome apagado da história. Pelo visto, o império atual encontrou o seu incendiário.
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