Foi editor da 'Ilustríssima'. É autor de 'Pós Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada' e de '1922 - A semana que Não Terminou'.
Na cabeça desses cornos todos
Desço a estrada rumo a São Paulo, rádio ligado, e de tempos em tempos um comercial do "novo Partido Progressista" afirma que a agremiação está trabalhando contra a impunidade e em prol de minha segurança.
"Lugar de bandido é na prisão", repete a voz torpe de um político qualquer. Meu Deus –penso– por que devemos pagar para ouvir isso? Que ideia de democracia justifica o financiamento público dessa enganação?
O PP bem que poderia começar por suas fileiras. Como se sabe, a sigla "progressista, filhote da ditadura, e peça importante da base do governo (também "progressista") é a que mais conta denunciados naOperação Lava Jato.
Não que eu tenha especial preocupação com os senhores e senhoras do partido de Paulo Maluf. O PP é apenas um exemplo caricato e nauseante da mixórdia política brasileira e de sua casta zurrapa de "homens públicos".
Mixórdia que, não de hoje, extravasou os limites da escumalha pegue-e-pague para envolver aqueles que seriam os exemplares vertebrados do sistema partidário, a saber o PT e PSDB.
Do primeiro, já não mais se sabe o que pensar. Tornou-se um monstrengo gelatinoso, contaminado pela corrupção, cujos velhos princípios –retóricos que fossem– se viram traídos um a um por uma prática política oportunista e indefensável. Resta-lhe o discurso rancoroso e cínico do ódio –que sempre fomentou como ninguém, embora dele se diga vítima, em sua lógica do "nós contra eles," da "zelite contra o trabalhador", dos banqueiros "de olhos azuis" contra a nação, da classe média contra a ascensão social.
Já o PSDB, pioneiro no start-up da tecnologia da governabilidade contratada (e com o armário cheio de esqueletos), mostra-se na oposição tão perdido e incompetente quanto seu suposto antípoda na situação.
Já não se sabe, aliás, quem defende e ataca o quê nesse ambiente histérico e irracional de disputa política. O comentado placar da recente votação de medidas de ajuste na Câmara é uma espécie de mapa do crioulo doido de nosso sistema político-ideológico –no qual petistas furiosos com seu próprio governo aprovam medidas que a presidente pinóquio (ou seria a "presidenta pinóquia"?) não tomaria nem que a vaca tossisse, enquanto os ex-paladinos retóricos da responsabilidade fiscal a elas se opõem.
Neste Eldorado mais uma vez em transe, o que se perde é a ideia do interesse comum, de uma agenda republicana para o país que, sem apagar as contradições sociais, a todos beneficiaria.
Ricos e pobres, gregos e baianos, paulistas e troianos, só teriam a ganhar com um Estado bem gerido e capaz de investir; com um ambiente institucional e econômico menos burocrático e oneroso; com um plano de infra-estrutura que melhore estradas, portos e nos dê ferrovias, metrô e mobilidade urbana; com um projeto consistente de energia limpa; com um atendimento de saúde mais eficaz; com um novo arcabouço de segurança pública; e com um sistema de educação e produção de conhecimento que vá além de slogans esquisitos, processos elementares e louváveis iniciativas isoladas.
Mas isso, pelo visto, não interessa. Na gritaria babélica da política atual parece prevalecer, quanto às aflições e aspirações da sociedade, aquela fórmula chula usada por João Leão, vice-governador baiano (do glorioso PP), ao saber de sua sua inclusão no inquérito da Lava Jato: "Estou cagando e andando, no bom português, na cabeça desses cornos todos".
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